Ele abriu os olhos, torcendo para que a escuridão do quarto fosse prenúncio de mais algumas horas de sono. Tateou o criado-mudo em busca do celular, e assustou-se ao perceber que o dia nascera há muito. Lá fora, nuvens carregadas brincavam de esconder o sol. Arrastou-se até o banheiro, torcendo para que o reflexo do espelho não o chamasse para o bate-papo de toda manhã. Não estava a fim de conversa, nem com ele mesmo. As lembranças da noite anterior se misturavam às imagens do pesadelo que atormentou sua madrugada. Mesmo no torpor dos acontecimentos, sabia que aquele abatimento lhe faria companhia pelos próximos 4 anos. Optou por não acessar suas redes sociais, como fazia sempre que tomava seu café. Não teria como filtrar as cenas das comemorações que se sucederam noite adentro, a maioria patrocinada por gente arrogante e hipócrita. Os que celebravam a vitória do “mal menor” não o incomodariam. Mas recusava-se a ser testemunha das provocações torpes e medíocres, vindas de quem sempre foi incapaz de analisar os fatos com um mínimo de isenção. Os fanáticos festejavam como se o bem houvesse triunfado sobre o mal, como se fizessem parte de um grupo de iluminados, únicos e verdadeiros detentores de todos os méritos e virtudes. Preparavam-se para mais um tempo de louvor a quem deveria ser alvo de constante vigilância, de cobranças de postura e coerência, de atenção a quaisquer desvios de conduta. O compromisso de que os aplausos abafariam as críticas estava novamente selado. Cabisbaixo, ele pegou a chave do carro e saiu para outro dia de trabalho.
Ele abriu os olhos quando o sol que entrava pela fresta da cortina aqueceu seu rosto. O céu azul era prenúncio de um dia produtivo. Levantou-se e dirigiu-se ao banheiro, disposto a dialogar com o reflexo no espelho. Havia muito a ser dito. A cumplicidade do momento crescia com as lembranças da noite anterior. Parecia ter sido um sonho. Por mais difíceis que fossem os próximos 4 anos, ele sabia que poderia resgatar aquela sensação como lenitivo. Acessou suas redes sociais, como fazia sempre que tomava seu café. Deparou-se com lamúrias e reclamações que se repetiram noite adentro, boa parte feita por gente arrogante e hipócrita. As queixas de quem preferia a derrota do “mal maior” não o alegraram. Mas não conseguiu deixar de sorrir ante a revolta daqueles que se acostumaram a avaliar os fatos apenas em função de seus autores. Daqueles que optaram deliberadamente por não enxergar a deterioração da figura que insistiam em venerar. Os fanáticos soluçavam como se o mal tivesse triunfado sobre o bem. Justo eles, adestrados a ignorar as evidências da perversidade que alimentaram. Justo eles, que julgavam-se parte de um grupo de iluminados, únicos e verdadeiros detentores de todos os méritos e virtudes. Findava-se o tempo de louvor a quem deveria ser alvo de constante vigilância, de cobranças de postura e coerência, de atenção a quaisquer desvios de conduta. As críticas estavam – finalmente – liberadas. Animado, ele pegou a chave do carro e saiu para um novo dia de trabalho.
Abro os olhos, levanto-me, vou à janela. Como eu previra, o sol nasceu entre nuvens…