Escassas são as lembranças da minha infância. A maioria, tal qual paixão, apagou-se com o tempo. Outras, indiferentes, deixaram poucas marcas. Muitas, assim como as mágoas, duraram mais do que deveriam. Apenas algumas guiaram-se pelo amor. Essas jamais se perderam…
“Quando eu era pequenino –
isso mamãe quem me contou –
lá no hospital onde nasci
quando a enfermeira entregou
ao meu papai amado
aquele bebê maravilhoso
ele, todo orgulhoso, e cheio de emoção
quase me deixa cair ao chão.”
A estrofe escrita na aula de Português da quarta série jamais foi compartilhada. O autor – então com 9 anos de idade – orgulhava-se de sua capacidade de criar rimas. A timidez, entretanto, o impedia de mostrá-las. Retraía-se, inseguro. Escrever sobre as reações decorrentes de seu nascimento aquecia-lhe o coração. Que fim teriam levado os sorrisos da criança de olhar expressivo que o desafiava nos porta-retratos? Não sabia o que esperar da vida, mas jurou, um dia, experimentar as mesmas sensações vividas por seu pai.
Passaram-se muitos anos desde aquela tarde na escola. O inverno se aproximava e ajudava a ansiedade a gelar minhas mãos. Prestes a viver o êxtase de carregar meu filho nos braços, acreditava que a paternidade me abraçaria primeiro.
Mãos limpas, touca e máscara de proteção, roupas adequadas para o bloco cirúrgico. Estava pronto. Sonhara com aquele momento por toda a vida. Pensei no meu pai na sala de espera, quase tão aflito quanto eu. Se a emoção se repetisse, eu estaria lá para ampará-lo.
Então ele veio. Seu choro alto abafou meu pranto. Na maca, a mais linda das mães sorria lágrimas. Eu chorava gratidão. Tudo acontecia como imaginara. Mas eis que nossos olhares se cruzam no primeiro colo, e me dou conta de que desconheço aquela pessoa. Quem é você, meu filho? Conte-me. Quero amá-lo acima de tudo. Preciso entendê-lo primeiro.
A breve epifania me desnorteou. Onde teria se escondido o amor incondicional que imaginara imediato? Como descrever a obrigação de ter que venerar alguém a quem se é apresentado pela primeira vez?
Um novo choro retirou-me do torpor em que mergulhara. Depois de envolver o bebê em uma manta azul, a enfermeira voltou-se para mim. “Quer levá-lo ao berçário?” – perguntou-me, com um olhar de cumplicidade. Não respondi. Peguei-o firmemente nos braços. Beijei-lhe a testa. Seu pranto cessou.
A imagem do quebra-cabeça se completava. A peça que sobrara não fazia falta alguma. “Seja bem-vindo, Arthur. Tenho o palpite de que vamos nos dar muito bem”.