Conheci as mãos de minha avó já idosas. Dedos curvados, pele fina e enrugada, unhas por fazer. Nunca foram fortes o bastante para me sustentar. Ao envolverem as minhas, entretanto, suas mãos aqueciam feito cobertor felpudo, mingau de maisena, cantiga de ninar. Não as reconheci ao tocá-las pela última vez. Seu calor se dissipara.
As mãos de minha mãe sempre foram firmes, impetuosas, determinadas. Às vezes, assustavam. Delas vinham as palmadas que findavam travessuras, os movimentos a guiar as primeiras caligrafias, a compressa que me cobria a testa e amainava o ardor da febre. Despedi-me delas muitas vezes, a primeira ainda criança, vendo-as acenar pelo vidro de um portão de embarque. Na derradeira, só as minhas gesticularam um adeus.
“Amigos até nossas mãos empatarem” – repetia meu pai, sempre que chegava em casa. O gesto de sua mão sobreposta à minha estendeu-se pela vida afora. Tornou-se nossa marca registrada, nossa senha secreta de cumplicidade. Suas mãos me instigaram a sonhar, a ousar, a reconhecer texturas e essências. Entrelaçaram-se às minhas no tilintar das taças, nos primeiros choros de criança, nos suspiros quase silentes que musicavam nossos olhares. Guardo – como acalanto – o calor da última vez que se abraçaram.
Descobri que meu coração pulsava no polegar quando, pequenas, suas mãos o envolveram. Redefinia-se meu conceito de amor. Mãos dadas desvendaram os primeiros passos, sossegaram aflições, acalentaram noites em claro. Hoje, sou eu a buscá-las. Cedo, aprenderam a se despedir, também diante de um portão de embarque. Mesmo distantes, nelas repousa meu esteio.
Contemplo minhas próprias mãos. A pele fina – herança de avó – começa a revelar pequenas manchas – heranças de pai. Trazem ainda – herança de mãe – aversão ao desamparo dos ombros. Espero um dia vê-las envelhecidas, engelhadas, cercadas de outras tantas. Que possam contar histórias, ao serem tocadas. Que possam evocar memórias, entre sorrisos e lágrimas. Que possam aquecer novas mãos, mesmo quando uma única centelha de calor lhes restar.