Ele folheia as páginas esmaecidas pelos anos. Como carícias, seus dedos tocam rostos estranhos de olhos familiares. Detém-se por um momento diante de uma foto. São crianças postadas à frente de um pano claro, provavelmente estendido apenas para gerar contraste. De pé, cinco irmãos circundam a mais nova, sentada em uma cadeira. Não há sorrisos nos semblantes. Tampouco amargor…
– Quem são estes, papai?
– A pequenina é a sua avó. Tinha sete meses de idade.
– Que fofinha! A vovó já foi um bebê?
– Todos fomos, filho.
– E os outros?
– São todos irmãos. Você chegou a conhecer um deles, mas acho que não se lembra. Ele morreu um ano antes dela.
– Qual deles?
– O menor dos três que estão atrás na foto. Chamava-se Hélio. Era meu padrinho.
– Ele parece sério. Será que estava preocupado?
– Pode ser, querido. Pode ser…
O trabalho do fotógrafo estava finalizado. Hélio pegou Nilda no colo antes que ela caísse da cadeira. Prestativo por natureza, era sempre o primeiro a ser convocado para ajudar nas tarefas domésticas. Bilí, a madrasta, ocupava-se cada vez mais com a enfermidade do marido. Hélio sabia o que estava por vir. Conhecera a dor do desenlace bem cedo, quando a mesma tuberculose levou sua mãe. Aos 3 anos de idade, sem conseguir dormir, aninhou-se junto ao corpo inerte que seria velado na manhã seguinte. Encontrara ali seu último acalanto.
Bilí veio para lhe dar o aconchego de que tanto precisava. Sentia a ternura de seus gestos nos passeios de mãos dadas, nas histórias contadas à luz do lampião, na interposição diante da taca de couro cru que brandia das mãos encolerizadas do austero patriarca. Ao ver o pai definhando, culpou-se por rezar com mais fervor pela saúde de Bilí. Deus haveria de entender.
Órfão, Hélio viu-se obrigado a deixar o Serro para estudar em Diamantina. Seu tio paterno, comandante do Terceiro Batalhão da Polícia Militar, tornou-se seu tutor. Com lágrimas nos olhos, despediu-se dos três irmãos menores e daquela que transformara seu próprio nome em sinônimo de mãe. “Deus lhe pague, Bilí” – balbuciou, antes de partir.
– Eles foram amigos a vida toda, papai?
– Sim. Sua avó sempre foi a irmã mais querida, e vice-versa.
– Mas eles não cresceram separados?
– Só por um tempo. Mas a distância nunca é páreo para o amor.
– Tem mais fotos deles juntos?
– Claro. Esta aqui é do casamento dos seus avós. Os dois com a outra irmã, Clélia. Na época, os demais irmãos já tinham falecido.
– E cadê minha bisavó?
– Olha ela aqui, assinando como testemunha.
– Você tem saudade deles, papai?
– …
A igreja estava quase vazia. O noivo e seus pais posavam para as últimas fotos. Hélio, Clélia e Nilda conversavam sobre a cerimônia, o carinho dos amigos, os parentes distantes que há muito não viam. Bilí os observava, com os olhos marejados. Abraçaram-se. De mãos dadas, lembraram-se do dia em que a foto dos irmãos foi tirada. A última antes que a vida cismasse em espalhá-los pelo mundo afora. Sorrindo, despediram-se, mais uma vez.
E cada um se encarregou de construir suas próprias lembranças…