“É tetra, é tetra, é tetra!”
A frase repetida aos berros ao final da Copa do Mundo de 1994 eternizou a narração de Galvão Bueno. Naquele 17 de julho, em Los Angeles, a seleção brasileira conquistava seu quarto título. Eu estava lá, sentado (não, sentado não) atrás da baliza onde a disputa de pênaltis aconteceu. Um dia inesquecível…
Lembro-me de ter acordado bem cedo. Lembro-me, na verdade, de quase não ter dormido, ansioso pela iminente realização de dois sonhos: assistir a uma final de Copa e comemorar uma conquista brasileira.
Eu e meu irmão Marius chegamos com antecedência ao estádio, como fizéramos nos jogos diante de Holanda e Suécia. Agora enfrentaríamos a Itália e quem vencesse se tornaria o primeiro país a ganhar quatro vezes o título mundial. O calor causticante não era capaz de aquecer minhas mãos geladas. Logo atrás de nós, um jovem casal de italianos puxou papo em um inglês carregado:
– Vocês assistiram a todos os jogos do Brasil?
– Não – respondi – viemos para as três últimas partidas.
– Que sorte, não é?
– Depois deste jogo eu espero concordar com vocês – brinquei.
– Tomara que não – retrucou a moça, sorrindo.
Os times entraram em campo. Os jogadores do Brasil vinham, como sempre, de mãos dadas. “Que bobagem” – pensei, torcendo no íntimo para que ninguém largasse aquela corrente. Sabem como é, em time que está ganhando…
Começou a decisão e a tensão tomou conta de todos. O Brasil dominava, mas não conseguia aproveitar suas poucas oportunidades. Eram tempos de Carlos Alberto Parreira e o gol era só um detalhe. O problema é que eu sou muito detalhista.
No intervalo, a nossa amistosa conversa com os italianos recomeçou. Cenas de partidas históricas entre Brasil e Itália eram mostradas no telão, e desviei meu olhar para não reviver o trauma de 82.
– Aquela foi a melhor seleção brasileira que vi jogar – comentou a italiana ao perceber meu desconforto.
– Pra mim também – concordei – e a maior decepção que vivenciei no futebol.
– Nem sempre o melhor vence. É por isso que vamos ganhar hoje de novo.
A confiança dela me deixou irritado. “Sai pra lá, bambina de Mãe Dinah”. A imagem dos italianos comemorando o título veio como um pesadelo. Voltei minha atenção para o campo.
O segundo tempo repetiu o que fora o primeiro: domínio brasileiro, poucas chances de gol e dois insistentes zeros no placar. Veio a prorrogação e Romário chutou para fora a melhor oportunidade da partida. Aquilo não era comum. Seria um sinal? A italiana sorriu, cada vez mais confiante.
Não havia tempo para mais nada. Pela primeira vez, a Copa do Mundo seria decidida nos pênaltis. A Itália desperdiçou sua cobrança inicial e me deixou eufórico. Meu otimismo durou pouco e o Brasil também perdeu a sua. Os italianos vibraram. Os quatro chutes seguintes alcançaram as redes. O empate persistia.
A quarta cobrança italiana parou – assim como a minha lucidez – nas mãos de Taffarel. Olhei em volta e percebi medo nos olhos da italiana. Medo que se tornou pavor quando Dunga colocou o Brasil na frente. Baggio não poderia errar.
As lembranças dos momentos seguintes me vêm em câmera lenta. Cada passo de Baggio em direção à bola é como uma contagem regressiva que termina no êxtase. O alívio, o pranto e os abraços se sucederam.
O telão mostrava 3×2. O mesmo placar que me deixara arrasado em 1982 agora me fazia chorar de felicidade. Olhei para trás e me deparei com a italiana inconsolável. Meu coração balançou. Lembrei-me do sofrimento vivido 12 anos antes e me reconheci naquelas lágrimas. Então busquei o fundo de seus olhos e lhe disse:
“É tetra, é tetra, é tetra!”