Roteiro desastroso…

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No curso de cinema…

– Venha cá, Gabriel. Precisamos conversar sobre o seu roteiro.
– Claro, professor. Tá ficando bom?
– Olha, tem qualidades, mas umas passagens são muito inverossímeis.
– É um filme de gângsters, né?
– Eu sei. Vi que começa com o chefão da máfia se elegendo prefeito de uma cidadezinha na Sicília.
– Sim. Algum problema?
– Não. Até aí tudo bem. No cargo, ele rouba a cidade toda.
– Mais do que esperado.
– Claro. Mas depois vem o primeiro problema: o bandido é reeleito.
– Ué, mas a explicação tá no roteiro. Ele distribuiu dinheiro pros pobres, pagou jornalista pra falar bem dele, fingiu que defendia os interesses da cidade, essas coisas.
– Um populista.
– Sim, mas carismático. Pensei no Zé de Abreu interpretando.
– Ok. Aí aparece um promotor disposto a fazer justiça.
– Tá meio clichê, né?
– Um pouco. Mais um daqueles promotores vaidosos que não se importam em dar uma forçada de barra nas leis pra pegar o bandido.
– Era o único jeito. O chefão dominava a cidade toda.
– Beleza. Mesmo assim, na eleição seguinte, o chefão consegue colocar um pau-mandado na prefeitura. Como?
– Já falei. Populismo e ignorância.
– É difícil acreditar que exista gente tão burra assim.
– Quer que eu retire essa parte? O pau-mandado é quase um zero à esquerda na história mesmo.
– Deixa. Vamos falar de quando o promotor consegue colocar o chefão da máfia na cadeia.
– Sim.
– O roteiro não deveria acabar aí?
– Aí eu estaria plagiando “Os Intocáveis”.
– Bom, isso é verdade. Mas precisava aparecer um miliciano na história?
– Qual o problema?
– Ué, um povo que vota mal tantas vezes seguidas deveria ter aprendido.
– Mas o miliciano ganhou popularidade se colocando como inimigo da máfia.
– Então o povo não sabia que ele era miliciano?
– Até que sabia. Mas ele se vendeu como novidade, montou uma equipe conceituada, o povo acreditou.
– Pois é, vi que até o promotor decidiu largar a carreira pública pra trabalhar com o miliciano. Isso faz sentido?
– Mas eles brigaram logo depois. Aí o promotor, que já era o maior inimigo da máfia, passou a ser também do miliciano.
– Pois é. O miliciano acabou brigando com todo mundo.
– Sim. Mostrou que não tinha mudado nada. Era o mesmo corporativista limitado de sempre.
– Puxa, o povo dessa cidade gosta de um populista, né?
– É só um filme, professor.
– É que dá até pena dessa cidadezinha.
– Na época da política comandada por bandidos era assim mesmo.
– E agora o miliciano nomeou juízes pra inocentar o chefão e condenar o promotor.
– Exato. Os admiradores do chefão e do miliciano festejaram juntos.
– Eles ainda têm admiradores?
– Ah, sim. Muita gente na cidade acha que são quase santos.
– Olha só, fica difícil de acreditar nisso. É muita burrice pra um povo só.
– Quer que eu reescreva?
– Acabe o roteiro todo primeiro. Depois analisamos. Parece que os dois vão se enfrentar na próxima eleição, não é?
– Sim. Ainda vou escrever essa parte.
– Já decidiu qual deles vai perder?
– Decidi sim, professor: o povo.

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