A folha de papel repousa intacta sobre a escrivaninha. Em branco. Nada é capaz de tirá-la daquele alvor. Nenhum tom se atreve a corar sua palidez mórbida. Grafite algum ousa enfrentar sua branquitude opressiva. Desfila, diante dos meus olhos resignados, uma repulsiva exibição de poder albugíneo. Um escárnio caucasiano que minhas mãos não conseguem impedir. Há horas, quero rabiscar qualquer coisa, mas aquela candura só atiça o branco que me domina. Frase alguma me vem à cabeça.
“Quem sabe um título? Só um título” – suplico, em vão.
A folha parece sorrir, cheia de ironia e deboche. Sua soberba me incomoda. Sei que sou alvo de suas provocações e de seu desdém. Meu rosto empalece. A dor começa a ocupar o espaço que deveria ser abrigo das palavras. Minha cabeça vazia lateja. Penso em desistir, mas a folha me instiga. Abro o computador e releio alguns dos desafios já vencidos. As musas de então já se foram. Meu olhar se ergue em busca de seus pares. Não os encontro. Reparo que a parede à minha frente também é quase branca. Costumava ser verde, eu mesmo a pintei poucos dias atrás.
“Qual era mesmo o nome da tinta? Ah, papel picado.”
A tentação aumenta mas contenho meus impulsos. A vitória da folha seria definitiva. Levanto-me. Dirijo-me à janela em busca da luz do entardecer. A neblina baixa – bem alva e típica dos dias frios do inverno – apaga as minhas recorrentes fontes de inspiração. Estão inacessíveis a capela multicor do alto da colina, o Manacá-da-serra que prometia florir hoje cedo, o horizonte dourado, os indecifráveis matizes do ocaso. A lividez insiste em limitar meu mundo e ampliar minha impaciência.
“O branco é a ausência de tudo” – filosofo, sem qualquer sinal de inspiração.
Olho de relance para o papel. Sua arrogância e sua empáfia parecem ganhar força. Passo ao seu lado a caminho da lareira. O fogo se apagou e as cinzas brancas envolvem a última tora em brasa. Acomodo os gravetos restantes em busca de uma labareda que me traga um pouco de cor, mas o lume derradeiro está cada vez mais pálido.
Volto à escrivaninha e me lembro de Gabriel Garcia Márquez: “a folha em branco é a coisa mais angustiante depois da claustrofobia”. Sinto o ar me faltar. Pego a folha branca na mesa e a dobro sob a brasa agonizante. Logo o bruxulear de uma pequena chama sarapinta meu rosto em tons quentes.
Suspiro.
“Amanhã tudo há de ser mais colorido.”