31 de dezembro de 2020. A bolsa termina o ano em alta, assim como o dólar, a dívida pública, o número de pessoas mortas e a insensatez. Quedas expressivas foram verificadas no emprego, na renda, no diálogo, na diplomacia e no bom senso. Gostaria de ser capaz de esquecer todos esses dados, pelo menos até amanhã. Gostaria de focar apenas nos meus próprios índices: um ano de muito trabalho, de muito aprendizado, de reconstrução de metas e objetivos. Um ano de novas experiências, novos mundos, novos e queridos amigos. Um ano de gratidão, apesar da escassez de encontros e abraços, de brindes com taças que não se tocam, do desamparo dos ombros.
Mas não há como se esquecer das perdas que 2020 nos trouxe. Não há como se esquecer da irresponsabilidade, da desinformação, da incompetência. Não há como se esquecer da gripezinha, do “e daí?”, do “quer que eu faça o quê?”, dos maricas, do “não dou bola”. Não há como se esquecer do escárnio, do desrespeito, do descaso com a vida alheia, da torcida escancarada para que uma vacina não seja eficaz, do desestímulo à única medida capaz de trazer o país de volta a algo próximo da normalidade. Não há como se esquecer dos jacarés.
Pois que sejamos todos jacarés em 2021. Jacarés imunizados livres para se reunir, para nadar pelos rios e lagoas, para se aglomerar em pool-parties regadas a caipirinha (quem já virou jacaré sabe que essa é a bebida preferida deles). Claro, sempre haverá espaço para os jacarés mais sofisticados que preferem um bom vinho e para os novos-répteis que não dispensam um scotch 18 anos só pela ostentação. Todos serão bem-vindos. Estaremos imunes. Os abraços serão liberados, as máscaras deixarão de ser exigidas e a Cuca não vai mais meter medo em nenhum jacarezinho. Bolsas e sapatos de couro serão terminantemente proibidos e o canal Nat-Geo vai tirar o primeiro lugar na audiência da Globolixo. Até por uma questão iminente de sobrevivência, a preservação das matas e florestas será levada a sério pela primeira vez e os pacotes de turismo ecológico multiplicarão o número de jacarés estrangeiros no país, impulsionando a nossa economia. As empresas de cosméticos irão compensar a queda do faturamento com xampus com o aumento exponencial da venda de cremes para a pele. Novas perspectivas se abrirão em todos os setores.
Perdoem o deboche. Não pude evitar. Afinal, foi assim – com deboche e desprezo – que o povo brasileiro foi tratado ao longo de 2020. Que sejamos mais sérios e responsáveis no ano que se inicia. Que tenhamos – sabe-se lá como – seringas suficientes, diversas opções de vacina, competência e organização no atendimento à população, vontade política. Só com a vacinação em massa poderemos começar a superar os enormes desafios que nos aguardam. A vacina tem o poder de nos trazer esperanças de um ano melhor, mas não o de transformar alguém em jacaré. Uma pena, por um lado. Tem gente por aqui que causaria bem menos estragos se fosse só mais um réptil!
Feliz 2021 a todos nós!