Duas horas depois e a pequena sala de espera continuava bem mais cheia do que recomendavam as autoridades sanitárias. A televisão ligada em uma das paredes exibia um daqueles cultos nos quais o pastor assume o papel de animador de auditório. O som, entretanto, era tão audível quanto um apito canino.
A trilha sonora reinante no ambiente nada tinha a ver com cânticos e sermões. Mesmo abafados pelas máscaras, só se ouviam sons de espirros e tosses acompanhados do fungar de narizes congestionados. Meu silencioso tornozelo inchado parecia um monge beneditino em um baile funk.
O painel eletrônico de chamada continuava a negar a minha existência, e cheguei a pensar que tivesse cochilado (como se isso fosse possível) quando meu nome fora anunciado. Talvez tenha sofrido um lapso de consciência, como aquele em que quase pedi a uma das atendentes que aumentasse o volume da TV.
Já passava de uma da manhã e eu sofria com dor, sono, fome e uma estranha vontade de ser portador de um aparelho para surdez só com botão de desligar. Não havia como piorar, pensei precipitadamente.
– O senhor está aqui há muito tempo? – perguntou-me um homem que fungava três cadeiras à minha frente.
Não sei dizer se o que mais me irritou no comentário foi a possibilidade de interação com alguém com alto potencial de transmissão viral ou o fato de ele ter me chamado de senhor.
– Mais de duas horas – respondi, mantendo meus olhos fixos na TV.
Ele então se levantou e caminhou em minha direção, fazendo com que eu me juntasse às colegas de trabalho do pastor em uma prece pela divina instauração de um perímetro de segurança. A fervorosa oração não surtiu o efeito desejado e ele parou em pé bem ao meu lado.
– Não trouxe minha trena mas garanto que não estamos a um metro e meio de distância um do outro – argumentei com indisfarçável ironia.
– Ah, me perdoe – disse ele se afastando um pouco. Não aguento mais ficar sentado.
Pensei em concordar, mas preferi dar de ombros. Ele continuou:
– Eu sabia que ficaria doente.
– Estamos em época de pandemia, não é? – respondi, já arrependido por ter contribuído com o diálogo.
– Sim, mas não é por isso. É que entramos em agosto. Tudo de ruim acontece em agosto.
Fingi que não ouvi. Continuei com os olhos fixos na TV e passei a enxergar sinais de clarividência até nos olhares esbugalhados dos integrantes daquela plateia.
– Mas não imaginei que fosse adoecer tão cedo – ele continuou. O mês mal começou.
O homem aparentava ter uns 35 anos de idade. Já era grande o bastante para não acreditar em asneiras.
– O senhor – me vinguei – tem algum trauma relativo ao mês de agosto?
– Não só eu, né? O mundo inteiro.
Não resisti e revirei meus olhos escancarando toda a minha impaciência. Ele prosseguiu:
– Todas as catástrofes sempre acontecem em agosto.
Aquilo já era demais. Aproveitei que a imagem do emissário de Deus havia sido substituída por um comercial de cerveja de má qualidade e retruquei:
– Curioso, a Primeira Guerra estourou em julho, a Segunda em setembro, a gripe espanhola começou em março, o tsunami da Indonésia aconteceu em dezembro, as torres gêmeas foram destruídas também em setembro, Cristo – a transmissão do culto acabara de ser retomada – foi crucificado em abril e essa maldita pandemia começou no primeiro trimestre do ano. Alguma coisa contra esses meses também?
– O senhor não precisa se exaltar…
– Senhor é o seu avô! Mais uma coisa, o nome agosto é uma homenagem ao imperador cujo reinado marcou o início da Pax Romana, um grande período de paz e prosperidade do Império Romano. Período de paz, não de catástrofes, entendeu?
– Eu estava apenas tentando puxar assunto. Não me dou bem com o mês, só isso. Mas parece que encontrei um defensor ferrenho. O senh… você nasceu em agosto?
– Não, em novembro. E não tenho motivo algum para defender o mês. Só não gosto de ouvir bobagens.
Contrariado e fungando ainda mais, o homem voltou ao seu assento. Menos de um minuto depois o painel eletrônico anunciou em alto e bom som: Fernando Augusto, consultório 2.
Levantei-me rapidamente e lá fui eu, manquitolando, sonolento e faminto. O que mais me incomodava, entretanto, era a imagem do sorrisinho irônico que o homem me dirigiu quando passei ao seu lado…