Não sei quantas vezes já escrevi sobre a superioridade moral da esquerda. Aquela arrogância do bem, que só é digna de ser exercida por seus membros, únicos e verdadeiros guardiões de toda a bondade humana. Eles são os Neos da nossa Matrix e os Potters da nossa Hogwarts. São os escolhidos. Só a eles é concedido o dom de se importarem com os menos favorecidos, com as minorias, com a educação, com a arte, com a música e com a literatura. Ai de você, isentão ou direitista escroto, se ousar ter inclinação para qualquer dessas pautas. Ai de você, principalmente, se ousar ter coração. Pegue o seu banquinho e saia de mansinho. Nada disso é para o seu bico.
Volto a fazer essas observações agora em função dos inúmeros exemplos dessa – digamos – falta de noção, ocorridos nos últimos dias.
Lula ontem se negou a aderir a um movimento suprapartidário de oposição ao governo Bolsonaro porque, entre os signatários, havia gente que se manifestara favoravelmente ao impeachment da Dilma. Sabe como é, ele não se mistura com essa gentalha (não, isso não tem graça nem em comédia mexicana).
Mais cedo, Felipe Neto já havia criticado Neymar por não se posicionar politicamente. Reparem, a crítica ocorreu não por uma postagem, mas pela ausência desta. Agora, o youtuber mais rico do Brasil assumidamente acha que tem o direito de decidir o que deve ser divulgado nas redes sociais de quem ele bem entender. Um verdadeiro democrata. Entre seus próximos empreendimentos milionários, talvez esteja alguma empresa que cuide das postagens políticas alheias. Zero dois deve estar morrendo de medo de perder o emprego.
Líderes da oposição estão preocupados com a repercussão negativa dos confrontos registrados domingo na Paulista. Aqueles nos quais gente que sempre condenou imbecis por se aglomerarem nas ruas, achou que era inteligente fazer o mesmo. Apesar de entenderem que a polícia agiu de forma desigual com os manifestantes pró e contra o presidente, os oposicionistas acham que a “estética da imagem” pode ter passado a ideia de que houve baderna de um lado e ordem do outro. As depredações ocorridas ontem em Curitiba parecem ter reforçado ainda mais esse entendimento. Que surpresa, não? Só mesmo um gênio seria capaz de imaginar que confrontos neste momento poderiam ser benéficos ao presidente.
Outros tiros no pé foram as acusações de nazismo pelos episódios dos copos de leite e da tal bandeira de um partido ultradireitista da Ucrânia. Ambos desmentidos respectivamente pelo “Desafio do Leite” e pelo embaixador ucraniano. Assim, ambos só serviram como exemplos de como a “extrema imprensa persegue Bolsonaro”.
Antes que o apedrejamento comece, entendam: não entro no mérito da questão. Não tenho como afirmar se o leite e a bandeira tiveram ou não inspirações nazistas. O ponto é que não vale a pena se desgastar com algo que não está claro e que ainda pode ser desmentido com verossimilhança. Há centenas de motivos cristalinos para se criticar Bolsonaro e todo o seu entorno. E a cada dia ele mesmo contribui com outros tantos. Esses deveriam ser os alvos.
Há quase dois anos, pouco depois da entrevista de Bolsonaro no Roda Viva, eu escrevi o seguinte comentário: “Se a imprensa brasileira continuar lhe fazendo perguntas imbecis como as feitas no programa de ontem, escancarando um viés ideológico que a maioria da população não suporta mais, essa mesma imprensa só estará ajudando a elegê-lo. O calcanhar-de-aquiles de Bolsonaro não é o fascismo que lhe atribuem. Este, ao contrário, é o seu único ponto forte. A verdadeira fraqueza de Jair Bolsonaro está na sua própria indisfarçável mediocridade. Quem não perceber isso estará apenas contribuindo para conduzi-lo ao Planalto”.
Voltando aos dias atuais, acho que um pouquinho mais de humildade e um bocado mais de inteligência serão muito bem vindos daqui pra frente.