Tentativa de desenho (a última, eu prometo):
– Não entendo tanta histeria. Existem muitas outras doenças matando muito mais do que o Covid-19.
Sim, é verdade. Mas o problema, pelo menos agora, não é esse. O problema está na velocidade do contágio. O Coronavirus se espalha com imensa facilidade. A taxa de contaminação é muito alta e nenhum sistema de saúde do mundo está preparado para atender simultaneamente a milhares de doentes que precisem de atendimento e internação. O mundo precisa ganhar tempo e a única forma de se ganhar tempo é restringindo o convívio social. O grau dessa restrição pode ser debatido, analisado e até variar de país para país, mas tem que ser significativo.
– Mas essa paralisação será um desastre para a economia do Brasil.
O desastre econômico vai ocorrer de qualquer forma. Essa é a pior crise mundial desde a Segunda Guerra. As experiências de quem postergou fazer algum tipo de isolamento mais robusto estão à mostra. Aqueles que se recusaram a tomar medidas preventivas tiveram que adotar o lockdown absoluto, parar literalmente tudo, e ainda conviver com filas de doentes inviabilizando todo o sistema de saúde e com as pilhas de corpos se avolumando dia após dia.
– Estão inflando o número de casos e mortos com o intuito de se levar pânico à população.
Ao contrário. O número oficial de infectados é de oito a dez vezes menor do que o número real. A maior parte das pessoas infectadas tem sintomas leves ou é assintomática. E a imensa maioria destas não foi testada. Quanto ao número de mortos, mesmo que muitos deles tenham falecido em decorrência do agravamento de comorbidades preexistentes, a presença da doença deve ser levada em consideração. Além do mais, como eu disse, o número de mortos é o dado estatístico menos relevante neste momento. Claro que todo esse esforço está sendo feito para que se evitem mortes. Mas as mortes só serão evitadas se o sistema de saúde tiver condições adequadas de funcionamento.
– É fácil fazer quarentena com a geladeira cheia e com gente para levar comida na sua porta.
Não, não é fácil. As pessoas não estão de férias dentro de suas casas. Muitas estão trabalhando online e outras buscando alternativas para sobreviver. Mas o Brasil não está vivendo um lockdown absoluto. Existem restrições de circulação e proibição do funcionamento de diversas atividades, basicamente ligadas a serviços, educação, lazer e comércio. E há uma solicitação para que as pessoas fiquem em casa o máximo que puderem. Ficar em casa é uma questão de consciência coletiva, não uma opção de gente disposta a explorar os outros. Muitas pessoas de diversas áreas continuam trabalhando e o trabalho desenvolvido por elas é extremamente importante. Quanto mais reduzirmos o nosso convívio agora, menor será a chance de nos trancarmos compulsoriamente dentro de nossas casas em um futuro bem próximo, aí sim, sem ninguém que possa executar diversas atividades hoje ainda permitidas.
– Mas ontem a OMS disse que o isolamento não precisa ser feito em países pobres.
Não é verdade. O diretor-geral da OMS, Tedros Ghebreyesus, apenas demonstrou preocupação com os cidadãos mais carentes que precisam trabalhar para comer. Mas as recomendações permanecem rigorosamente as mesmas. Nada mudou.
– Ah, o diretor-geral pode, né? Quando o Bolsonaro diz a mesma coisa é taxado de imbecil.
Mais uma vez, demonstrar preocupação com a manutenção dos empregos e das condições básicas da população é legítimo e até louvável. Não é por isso que ele está sendo criticado. Bolsonaro está sendo chamado de imbecil porque está propondo acabar imediatamente com o isolamento. Por querer que apenas idosos e doentes se mantenham isolados. Por querer que todas as escolas sejam reabertas, que shoppings, estádios e demais locais de aglomeração funcionem normalmente. E por propor tudo isso sem nenhum embasamento científico, amparado apenas pelo achismo. Não existem estudos, modelos estatísticos, pesquisas, nada que corrobore tal pensamento. Mas o pior de tudo é que seus achismos vão de encontro a tudo que o Ministério da Saúde preconiza. Portanto, não há alinhamento algum entre o presidente e seu próprio governo. Ele também está sendo taxado de imbecil por chamar de “resfriadinho” uma pandemia que parou o planeta, que adiou as Olimpíadas, que colocou no chão quase que a totalidade dos aviões existentes no mundo. Ele está sendo chamado de imbecil por provocar diariamente aglomerações gratuitas, como um menino birrento que quer provocar os pais que o impediram de sair pra brincar. Ele está sendo chamado de imbecil por adotar uma postura que não seria razoável para qualquer cidadão, mas é completamente inadmissível para um chefe de estado.