Mesa de bar…

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Era fim de uma tarde de abril de 2020 e três amigos batiam um bom papo em uma mesa de bar. Bom, três mesas na verdade, duas nas cozinhas e outra na varanda de seus respectivos apartamentos. Cada um degustava sua própria cerveja: uma Stella, uma Heineken e uma Wäls.

Se estivessem juntos, como acontecia toda terça-feira, estariam dividindo algumas garrafas de Original estupidamente geladas. O Aderbal, dono de um boteco copo-sujo localizado em uma esquina próxima ao trabalho dos três, já sabia que a primeira garrafa deveria estar na mesa antes do cardápio, mesmo que apenas um deles estivesse presente. Com a chegada dos demais, fariam a costumeira disputa sobre qual chefe, colega ou cliente tinha sido mais irritante e passariam aos assuntos aleatórios do dia. Futebol, filmes, família, política, nada era proibido e todos os temas mesclavam toques de bom humor com piadas sucessivamente engraçadas à medida em que os cascos vazios se acumulavam. Muitas vezes era difícil parar de rir. Os tira-gostos quase sempre se repetiam: carne de sol com mandioca frita, joelho de porco, linguiça caseira e as clássicas almôndegas assadas com parmesão que o Aderbal dizia ser variação de uma receita secreta da sua falecida sogra, italiana que havia fugido para o Brasil no início da Segunda Guerra.

O som e a imagem das ligações via whatsapp eram bem nítidos mas o papo não conseguia fluir com a mesma espontaneidade. Nenhum dos três conseguia determinar se o que faltava era o despojamento das mesas de metal e dos copos lagoinha, a iluminação meio lusco-fusco resultante de uma gambiarra elétrica de fios, boquilhas e algumas lâmpadas incandescentes dependuradas aleatoriamente, ou o som ambiente que misturava as conversas das mesas ao redor com o repertório eclético do Aderbal, capaz de ouvir com a mesma desenvoltura desde o sertanejo raiz até o rock progressivo. Quando o gosto dos três coincidia – o que acontecia com relativa frequência – as conversas entravam em modo de espera até que o refrão fosse cantado em uníssono, com a confiança de um coral lírico e a afinação de um calouro de programa de auditório. Ninguém se importava.

Pelo whatsapp, o vazio dos cômodos em que se encontravam fazia com que as palavras ecoassem e ali permanecessem. No bar, as palavras perdiam-se rapidamente no ambiente e, nem mesmo quem as havia pronunciado, era capaz de se lembrar com exatidão do que dissera. O boteco era cúmplice das palavras e a cumplicidade fazia falta. Talvez faltasse também a cerimônia do bar, que de cerimonioso nada tinha. Ou, quem sabe, uma subconsciente sensação de refúgio, embora nenhum deles tivesse do que escapar. Definitivamente, faltava algo.

– Pessoal, tá na hora de desligar – disse o primeiro.
– Já? Mas nós nem falamos de futebol ainda.
– É melhor não falar mesmo – argumentou o terceiro, desesperançoso com o seu time.
– Tenho que guardar as compras que entregaram aqui. Não aguento mais dar banho de álcool em cada embalagem de leite.
– Imagina eu que nunca lavei uma fruta antes de comer.
– É, amigos, os tempos são outros.
– Ainda tenho que ligar para o meu pai. Tem mais de um mês que não o vejo pessoalmente.
– Vai lá. Pelo jeito, de nós três eu sou o único que já lavou a louça, né? Vou ter tempo de tomar a minha cerveja em paz.
– Calma, a louça do jantar vai aparecer já, já.
Os três riram.
– Então, terça no mesmo horário?
– Opa!
– Claro, marcado.
– Beijos nas famílias.

A ligação terminou e cada um foi cuidar de seus afazeres.

Mais tarde, entretanto, ao ouvirem o eco das palavras pronunciadas naquela tarde, finalmente entenderam o que mais lhes fazia falta: a fuga da rotina, o constante ajustar da mesa ao desnível do piso, a oportunidade de falar das mulheres bonitas que circulavam, os conhecidos que reviam e cumprimentavam a caminho do banheiro, o tilintar dos copos a cada brinde, os abraços na chegada e os beijos nos rostos na partida.

E os três juraram, em silêncio, que voltariam a viver tudo aquilo novamente…

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