– Bom dia, falo com a Central de Fake News?
– Bom dia. Não, nós somos da Central de Auxílio às Pessoas na Autoavaliação de Reportagens. Nosso objetivo é reduzir a disseminação das fake news.
– Então por que a sigla CFN?
– Senhora, a sigla exata do nosso nome não seria apropriada.
– Entendo. Eu gostaria de saber se uma notícia que recebi é verdadeira.
– Não é exatamente esse tipo de serviço que priorizamos aqui, senhora. Nosso trabalho é desenvolver o pensamento crítico de cada cliente para que ele mesmo possa ter condições de analisar com maior critério todas as informações dali por diante.
– Mas não dá pra falar só se é falsa ou não?
– Dá, mas vai sair muito mais caro.
– Vocês cobram mais caro por uma resposta de dois segundos do que por uma análise completa que leva muito mais tempo?
– Sim e não. É que, para essas respostas tipo fato ou fake, fechamos um pacote mínimo de 100 notícias por mês.
– Nossa, mas é muita coisa.
– Não é não. A maioria dos nossos clientes usa o pacote inteiro em menos de uma semana.
– Bom, acho que vou pelo método mais longo mesmo.
– Ótima decisão, senhora.
– Como funciona?
– Bom, vamos analisar juntos uma notícia, informação ou reportagem à sua escolha e vou lhe passar todas as dicas para identificação de notícias falsas. Podemos começar?
– Sim. Li ontem uma manchete que saiu no jorn…
– Desculpe interrompê-la, mas a senhora tocou em dois pontos que são básicos para o nosso pequeno curso.
– Quais são?
– Não fique restrita às manchetes. Leia toda a notícia.
– Por quê?
– Porque manchetes são escritas para chamar a atenção da forma mais sensacionalista possível. A reportagem contextualiza e, com muita frequência, até contradiz o que a própria manchete afirmava.
– Ah, boa dica. Qual é o segundo ponto?
– Não dê tanta importância ao jornal que divulgou a notícia. Analise o que está lendo, não onde leu. As pessoas tendem a acreditar em tudo o que vem de um veículo em quem confiam. O oposto ocorre quando já existe uma desconfiança prévia. Em suma, analise o fato, não o autor.
– Muito bom. Posso continuar?
– Por favor.
– A reportagem afirma que uma pesquisa com Cloroquina em Manaus foi sabotada por um médico petista que aplicou propositalmente altas dosagens do medicamento matando 11 pessoas. Então, isso é verdade?
– Senhora, já se esqueceu de como funciona o nosso método?
– Ah, sim. Perdão. Como analisamos essa reportagem?
– Bom, vamos fazer a nós mesmos algumas perguntas, e buscar juntos as respostas. Primeiro, essa pesquisa é verdadeira?
– É sim, olhei no site da própria Fiocruz, incentivadora da pesquisa. Foi feita com 81 pacientes internados. Metade recebeu doses maiores e a outra metade doses menores de Cloroquina.
– Excelente! Procedimento perfeito. É fundamental que as informações sejam verificadas também em outras fontes. Notícias de fonte única tendem a ser falsas. Parabéns. Mais alguma informação sobre a pesquisa?
– Sim, dos 11 pacientes que faleceram, 7 estavam no grupo que recebeu uma dose maior.
– Certo, e quantos médicos participaram da pesquisa?
– Não sei dizer mas era uma equipe bem numerosa. Foi realizada em um grande hospital de Manaus. O médico que está sendo acusado na reportagem é o coordenador e tem muitos anos de experiência.
– Vamos agora à questão da orientação política do médico. Ela é relevante no contexto?
– Bom, a reportagem insinua que o médico matou as pessoas propositalmente para desacreditar a eficácia do remédio e prejudicar a imagem do presidente.
– Mais uma dica antes de continuarmos: insinuações normalmente não são bons sinais. Fique atenta a esse tipo de conduta, ok?
– Anotado.
– A senhora sabe me dizer se o médico é filiado ao PT?
– Não, a reportagem usa como prova uma foto de perfil da sua rede social com a logo do Haddad.
– Na época da eleição?
– Sim.
– Bom, vamos juntar todas as evidências agora. Temos uma pesquisa financiada pela sociedade médica e por hospitais credenciados, atendendo a critérios técnicos preestabelecidos. Uma equipe médica composta de muitos profissionais da saúde. Um coordenador com currículo e experiência na área e que seguiu à risca todos os procedimentos. Um número de 70 pacientes curados, ou seja, mais de 86% deles. As 11 mortes ocorreram tanto entre os pacientes que tomaram dose maior quanto os que receberam dose menor do medicamento. E uma foto do coordenador da pesquisa divulgando seu voto no Haddad em 2018. Acho que não precisamos pedir a opinião de nenhum Sherlock Holmes aqui, não é?
– Tem razão. Muito obrigada. Você tem muita didática.
– Obrigado. É só uma questão de raciocínio lógico, senhora.
– Posso tirar dúvidas sobre mais uma notícia?
– Normalmente nosso trabalho se limita a uma análise. Mas vou abrir uma exceção para a senhora. Qual é?
– Um astrólogo da Virgínia disse em um vídeo que a pandemia de Coronavirus é uma farsa. O que você acha?
– Uma farsa?! Tem coisas que… ah, quer saber? Talvez seja melhor a senhora comprar o nosso pacote mesmo. Faço pela metade do preço…