O português é reconhecidamente uma língua complexa por suas variações verbais, temporais e de gênero quanto a substantivos, adjetivos e pronomes. É também uma língua, assim como tantas outras, repleta de palavras formais e sofisticadas. Por isso, em um país com escolaridade tão baixa quanto o Brasil, não é de se espantar que a maioria das pessoas ignore o significado de grande parte delas.
Existem muitas palavras, entretanto, sobre as quais não paira – ou, pelo menos, não deveria pairar – nenhuma dúvida. Ninguém deveria, por exemplo, se autoproclamar democrata num dia e defender ditaduras no outro. Ou condenar a censura numa situação para, minutos depois, aplaudir a apreensão de livros. Ou ainda exigir respeito no trato com seus interlocutores enquanto se permite sorrir quando alguém é xingado de égua sarnenta e desdentada. Atitudes como essas são tomadas apenas quando seus autores desconhecem o verdadeiro significado de palavras tais como democracia, liberdade e compostura.
Hoje, existe outra palavra ainda mais corriqueira que tem sido frequentemente usada de forma leviana: oposto. Sim, o mesmo que contrário, inverso, contraditório. Para os dois grupos mais barulhentos da atual sociedade brasileira, basta-lhes a alcunha de “opostos”. Como se um comportamento contrário a A fizesse de Z a opção correta, e vice-versa. Não faz! E o pior é que ambos não percebem que estão longe de serem realmente antagônicos. Na verdade, o entendimento que esses grupos têm de muitas das palavras da língua portuguesa é deturpado e assustadoramente semelhante.
Para A e Z, por exemplo, o oposto de ditadura é a “autocracia do bem”, não a democracia. O oposto de mentira é a visão ideológica do fato, não a verdade. O oposto de injustiça é a idolatria cega, não a lisura. O oposto de preconceito é a seletividade, nunca a igualdade. O oposto de cerceamento de opinião é a liberdade de elogios, não de críticas. O oposto de submissão é a libertinagem, não a inconformidade. O oposto de incompetência é a contemporização, não a eficiência. O oposto do politicamente correto é a truculência, não a ponderação. O oposto de erro pontual é a generalização, nunca a correção de rota. O oposto de estupidez é a própria estupidez duplicada, jamais a sabedoria.
Vivemos tempos em que a ignorância é tão comum que passou a ser tratada com desdém. Tempos em que ofensas passaram a ser usadas como argumentos, com direito a réplicas, tréplicas, memes, aplausos e troféus em forma de óculos escuros. Tempos em que o populismo justificou e banalizou até as agressões físicas de parte a parte. Tempos em que grosseria e ausência de bom senso se tornaram qualidades a serem destacadas nos currículos. Resultado de duas décadas de exemplos vindos de criminosos portadores de complexos de superioridade, pessoas com severas e irreversíveis deficiências cognitivas e fundamentalistas lunáticos com manias de perseguição. Todos glorificados, ungidos e santificados por aqueles que também desconhecem o conceito de civismo.
Enquanto isso, a maioria silenciosa da população brasileira continua torcendo para que A e Z consigam adquirir um conhecimento um pouco mais amplo da língua portuguesa. Mesmo que isso não seja capaz de alterar seus já viciados comportamentos, poderá servir para que, pelo menos, estes passem a ser chamados daquilo que realmente são, sem atenuantes ou disfarces. Quem sabe assim, com um mínimo de autenticidade, adoradores de A e de Z possam perceber que, durante muito tempo, estiveram simplesmente se mirando no espelho!