Precisamos falar sobre Greta…

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Não há como negar, a adolescente sueca Greta Thunberg foi a personalidade da semana. Principalmente depois de seu controverso discurso na ONU, a ativista se transformou no assunto mais comentado na mídia e nas redes sociais do mundo inteiro. Como já se tornou praxe em qualquer matéria contemporânea, opiniões equilibradas não passaram de gotas em um oceano de polarização e radicalismo cada vez mais extenso. Para um dos extremos, Greta representa a nossa salvação, certamente merecedora do posto de líder mundial e, se possível fosse, eleita a nova responsável pelo destino da humanidade daqui por diante. Para o extremo oposto, entretanto, Greta não passa da encarnação do mal, uma espécie de marionete a serviço de poderosos que só pretendem lucrar com a pobreza, a fome e a desigualdade planetárias.

Antes de emitir minha opinião, assisti a vários dos discursos e entrevistas coletivas feitas pela adolescente. E começo afirmando que a sua postura quase caricata vista no discurso da ONU é exceção e não regra. Em todas as demais aparições que acompanhei, suas expressões faciais e seu tom de voz se mantiveram serenos e controlados. Não vou aqui especular sobre os motivos do seu comportamento em Nova York no início desta semana, mesmo porque não tenho conhecimento algum sobre a síndrome de asperger que pode ter contribuído de alguma forma.

Entretanto, o tom pessimista e duro visto na ONU estão presentes em todas as manifestações de Greta. Ela é sempre taxativa quanto ao tempo que o planeta não dispõe e quanto à insuficiência das medidas tomadas até agora, inclusive as aprovadas pelo Acordo de Paris. Greta quer ver as emissões de carbono reduzidas em 80% até o ano 2030, quer energias renováveis preponderando em menos de cinco anos, quer o fim da utilização de combustíveis fósseis, inclusive nos transportes aéreos e marítimos. Segundo a ativista, se essas e outras inúmeras ações não forem tomadas, o planeta alcançará o “ponto de não retorno” em menos de uma década. A partir daí, também segundo ela, será iniciada uma reação em cadeia que irá extinguir toda a nossa civilização. E não haverá nada que possamos fazer para evitá-la.

Bom, vou começar pelo lado positivo. Acho realmente auspicioso que milhares de jovens tenham encontrado em outra jovem uma inspiração para suas vidas. Acho revigorante que essa jovem tenha se cansado de esperar respostas dos seus líderes e buscado ela mesma agir de acordo com as suas crenças e objetivos. Nada mais justo e legítimo. Mais do que de palavras e de cobranças, o mundo precisa de ações. Por isso, não sou daqueles que considera Greta uma menina mimada que deveria voltar à sua insignificante posição de estudante e esperar a sua vez de abrir a boca. Pessoas idealistas e visionárias dispostas a questionar, a nos fazer pensar e a nos tirar de nossa zona de conforto são mais do que necessárias. Afinal, sempre foram os questionamentos que fizeram a humanidade crescer e evoluir.

Por outro lado, acho que a visão de Greta, além de alarmista, é deturpada e carente de evidências. Sim, existem cientistas que corroboram seus vaticínios. Assim como existem cientistas que negam inteiramente a participação do homem no aquecimento global. Ambas visões são minoritárias e aí vem a grande questão: por que a porta voz de uma delas é aplaudida e venerada enquanto a outra é completamente ridicularizada? Além do mais, me incomoda imensamente a assertividade com que datas, números e cenários catastróficos são apresentados quando todos sabemos que os estudos científicos nesta área se baseiam em projeções. Ninguém é capaz de afirmar nada categoricamente, muito menos uma estudante do ensino médio. Uma coisa é enaltecer sua disposição e sua iniciativa, outra bem diferente é endossar suas palavras.

Independente de qualquer opinião, o fato é que as propostas de Greta não são viáveis e, se ainda assim fossem implementadas, provocariam desastres quase tão terríveis quanto aqueles por ela profetizados. O mundo, infelizmente, não é uma grande Suécia. Mais de três bilhões de pessoas vivem abaixo da linha da pobreza, dois bilhões não têm acesso a saneamento básico e mais de setecentos milhões ainda passam fome. Esses números tão alarmantes já foram bem piores. Na verdade, a pobreza mundial tem caído sistematicamente à medida em que a economia de mercado se expande. Há 30 anos, mais de 35% da população mundial vivia na pobreza extrema. Hoje, esse número é de aproximadamente 10%. Curioso é que a economia de mercado é tratada como a grande vilã nos pronunciamentos de Greta. Não poderia haver incoerência maior. Só através da consistente geração de riquezas será possível o desenvolvimento de novas tecnologias capazes de mudar a matriz energética dos países, reduzir a emissão de gases poluentes e melhorar a produtividade agrícola preservando, em consequência, matas e florestas nativas.

Por tudo isso, acredito que Greta Thunberg não deveria ser vista como deusa ou demônio. Eu particularmente a vejo como um impulso. Um impulso capaz de mobilizar milhões de pessoas, de fazer com que líderes mundiais se atentem a questões cruciais, de conscientizar a população sobre a importância da preservação da natureza. Um impulso cuja força não está nos argumentos. Em suma, aprovo a forma, discordo do conteúdo. Mesmo assim, até pela visibilidade que lançou sobre o tema, acho que Greta já tenha feito mais pelo planeta do que a grande maioria de nós jamais será capaz de fazer.

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