Eu me lembro perfeitamente do dia em que ele me chamou de “pa” pela primeira vez. Ele ainda não passava de um projeto de gente com os olhinhos atentos a tudo.
– Sim, querido, sou eu, o pa. E o pa estará sempre ao seu lado.
Parece que a mensagem foi entendida pois o segundo “pa” deixou de ser um mero balbucio e veio acompanhado de um sorriso sapeca, daqueles que desarmam qualquer carrancudo. Mesmo não sendo carrancudo eu estava sempre pronto para ser desarmado. Mas ele cresceu rapidamente e o “pa” não durou muito.
Logo depois veio o “papai” completo, com todas as suas vogais, principalmente o “i” prolongadamente ressaltado.
– Sim, meu amorzinho, sou eu, o papai. E o papai estará sempre ao seu lado.
E mais uma vez a mensagem foi entendida pois o “papai” perdurou por muitos anos, repetido nas mais diversas entonações: a carinhosa quando nos revíamos à noite, a assustada quando me chamava de madrugada após um pesadelo, a vibrante quando pulava na cama para me acordar de manhã. Mas ele continuou crescendo e o “papai” se tornou demasiadamente infantil.
Então veio o “pai” simples, direto, pragmático, com a discrição com a qual um homem normalmente se dirige ao outro.
– Sim, meu filho, sou eu, seu pai. E estarei sempre ao seu lado.
E mensagem alguma precisava agora ser captada pois aquele “pai” vinha para se tornar definitivo. Dali para frente não deveriam haver mais mudanças. Ele ainda não era propriamente um adulto, mas pai é pai e ponto. Então ele cresceu ainda mais e os limites do seu mundo se expandiram.
E lá fui eu acompanhar o início de sua descoberta desse novo mundo. E aquele homem feito, diante da iminente ausência física dos seus entes queridos, passou a me chamar novamente de “papai”. Não, não era uma tentativa de voltar a se sentir uma criança. Não era um “papai” infantil. Era simplesmente uma sincera e completa declaração de amor inserida em duas sílabas. Era o “papai” mais lindo que jamais ouvi. Um “papai” maduro, recheado de gratidão e admiração, embora ciente de que eu mentira ao longo de toda a sua vida pois há caminhos que só ele pode e deve percorrer.
– Sim, meu amor, sou eu, o papai. Perdão, meu filho. Você não faz ideia do quanto eu queria poder estar sempre ao seu lado…