“Tripulação, portas em automático”.
Mal entramos na aeronave e a frase que os demais passageiros ansiavam ouvir há meia hora é pronunciada pelo comandante. Os olhares de irritação que nos recebem não têm noção do quanto tivemos que correr pelo aeroporto desde o desembarque do nosso voo de conexão.
Estressado e exausto, sento-me junto à janela disposto a relaxar pelas próximas onze horas. Meu filho e minha esposa, ao meu lado, não demonstram ânimo sequer para acionar a tela de entretenimento.
No espaço entre meus joelhos e as costas do assento à minha frente mal cabe um exemplar da revista de bordo. Cabia – seu ocupante acaba de reclinar o encosto antes mesmo da decolagem. Penso em lembrá-lo dos protocolos de segurança mas deixo a tarefa para a aeromoça sorridente mais próxima.
O avião decola e o jantar – pequena porção de massa com o sabor e a textura de um macarrão instantâneo – é servido com a destreza de um atendente de fast-food. Duas taças (apelido que dei aos copos plásticos) de vinho não são suficientes para me fazer apagar. A saudade das copas de Guinness bate forte.
Luzes apagadas, olhos fechados e meu filho resolve esticar suas pernas no meu colo. Meu conceito de mobilidade ganha nova dimensão e suspiro ao me lembrar que, há pouco, reclamava do metrô nas horas de pico. Tento dormir mas pesadelos claustrofóbicos me impedem de pegar no sono.
Transtornado, identifico no piso acarpetado a única forma plana horizontal disponível. Estendo um cobertor junto aos meus pés, ajeito com carinho a esponja que eles chamam de travesseiro e deito ali meu filho. Grogue de sono, ele acorda e pergunta se enlouqueci. “Ainda não” – respondo.
Estou agora com uma criança estirada no chão e uma poltrona vazia ao meu lado. Não tenho mais onde pisar e jogo minhas pernas para o assento desocupado. Minha postura lembra um feto no nono mês de gestação. Um feto com cãibras, diga-se de passagem.
Abro a mesinha da minha esposa e apoio ali minhas pernas, torcendo para que o fabricante tenha projetado o sistema de dobradiças para pesos bem maiores do que os 250 gramas de cada refeição. Meus pés agora estão no corredor e meus períodos de sono variam em função do número de passageiros portadores de incontinência urinária.
Um tranco firme na perna me tira do único cochilo profundo da noite. Minha gana de estrangular seu autor se desfaz diante do olhar severo da aeromoça, indignada ao ver uma criança dormindo no chão. Desculpo-me com a sinceridade de um político e meu filho retorna à poltrona. Como punição, meu colo é seu travesseiro pelo resto da noite.
Passo o restante do voo com os olhos vidrados na tela, presos à imagem de um avião que me parece tão imóvel quanto um ponto na página de um Atlas (esclarecimentos para quem tem menos de 40 anos podem ser obtidos no Google).
“Tripulação, portas em manual”.
Puxa, logo agora que eu tinha conseguido dormir?