– Bom dia, senhor.
– Bom dia. Eu estive aqui no último feirão de carros usados e levei este verde aqui.
– Sim, eu me lembro. O senhor estava em dúvida se levava o verde-oliva ou o vermelho, não é?
– Não, na verdade eu queria levar aquele laranja novinho mas, no final, só tinha esses modelos à venda. Tive que escolher um dos dois.
– Muita gente viveu esse mesmo dilema. E o que eu posso fazer pelo senhor?
– Eu estou tendo problemas com o carro.
– Que tipo de problemas?
– Nem sei por onde começar.
– Fale dos defeitos mais frequentes.
– Bom, o motor está bem mais lento do que eu imaginava. Toda hora falha.
– Mas o carro já deixou o senhor na mão?
– Na mão ainda não, mas tem hora que cansa essa coisa de ter que pegar no tranco, né? Tô vendo a hora em que ele vai parar e ninguém mais vai querer me ajudar a empurrar.
– Entendo. Alguma outra anomalia?
– Sim, a direção está totalmente desalinhada.
– Desalinhada como, senhor?
– Tá puxando demais pra direita, sabe?
– Mas quando fez o teste drive o senhor não percebeu isso?
– Na verdade eu não fiz teste drive com este modelo. Já tinha feito com o vermelho mas ele puxava muito pra esquerda, só engatava a ré e ainda por cima bebia demais. Por isso escolhi o verde-oliva sem nem experimentar.
– Esse não será um problema de fácil solução, senhor.
– Puxa, ficaria feliz se pelo menos ele puxasse um pouco menos…
– Vamos continuar com a lista de problemas.
– Bom, os espelhos não estão funcionando.
– Os espelhos? Como assim?
– Eles estão distorcendo as imagens, olha só.
– É verdade. Aquela montanha de lixo lá longe parece uma colina verde e florida quando vemos refletida. Que coisa.
– Pois é. As imagens muito distantes parecem melhores e as próximas parecem piores. Não consigo entender.
– Não sei se vamos conseguir ajudá-lo neste item, senhor. O fabricante destes espelhos fechou no início de 1985. Era uma empresa sólida, funcionou por 21 anos. Estão retomando suas atividades agora de forma mais abrangente mas não creio que queiram dar garantias depois de tanto tempo.
– Que pena…
– Mais alguma coisa?
– Sim. A buzina.
– O que tem a buzina?
– Ela toca sozinha quando estou perto dos outros carros.
– Quais carros?
– Qualquer um. Pode ser azul, vermelho, amarelo, até os verdes. Aí os motoristas se irritam e começam a brigar comigo. Parece até que o carro gosta de arrumar confusão com os outros.
– Meu Deus, quanta coisa…
– Ainda não acabou. O rádio, por exemplo.
– O rádio não está funcionando?
– Funciona, mas só pra notícias em inglês.
– Ora, é só trocar de estação.
– Não adianta, todas as estações são em inglês. Só tem um canal em português mas o apresentador só sabe falar palavrão, não dá nem pra ouvir.
– Não sei como resolver esse problema, senhor.
– Bem, vamos para o próximo…
– Próximo? Chega! Nada está bom pro senhor?
– Não se trata disso…
– Já saquei qual é a sua. Se arrependeu e quer trocar pelo carro vermelho, não é?
– Não, de jeito nenhum.
– Fala a verdade, pouco mais de três meses com o carro e é só reclamação. Não deu tempo nem de amaciar a direção, de avaliar o consumo. Mas o senhor tem cara mesmo daqueles que não se contentam com nada.
– Mas eu só quero que meu carro funcione bem, nada mais.
– Essa sua conversinha só serve pra desvalorizar o modelo. Quer que o vermelho volte a ser o campeão de vendas, não é?
– Olha só, já falei que não gosto do vermelho e não o compraria por nada deste mundo. Mas quero que os defeitos do meu carro sejam corrigidos, deu pra entender?
– Acho melhor o senhor cair fora e esperar que os problemas do carro se resolvam sozinhos. Com o tempo o senhor acaba se acostumando.
– Quer saber? É isso mesmo que eu vou fazer.
– Já vai tarde.
– Pode me dizer pelo menos onde eu consigo abastecer aqui por perto?
– Ah, se vira… tchutchucão!
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