A esquerda brasileira, como já se tornou hábito, conclama mais uma vez para si o monopólio das virtudes. Votar em Haddad hoje, dizem eles, é se posicionar a favor da democracia, da liberdade, da decência, da ética. Porque, segundo eles, toda a maldade humana está concentrada na candidatura adversária. Assim, o discurso de ódio do candidato do PSL é responsável direto por toda violência existente hoje no país, levada a cabo pelas figuras fascistas que apoiam um candidato fascista. Segundo eles, portanto, o Brasil é um país hoje com, pelo menos, quarenta e nove milhões de fascistas. Nenhuma análise poderia ser mais rasa, simplista, tola e irreal do que essa.
Tal atitude, como já deixei bem claro, não surgiu agora. Se autoproclamar detentora exclusiva da bondade humana é estratégia que a esquerda utiliza há tempos. Mas o que me surpreende agora é a postura de muitos daqueles que pretendem votar na esquerda não por ideologia, mas apenas por a considerarem uma opção “menos pior”. E me refiro a esses não pelo fato de terem escolhido o caminho oposto ao meu, mas sim por considerarem, talvez influenciados pela própria esquerda, que seus votos são “moralmente superiores” aos votos destinados a Jair Bolsonaro. Não são. Essa é uma postura excludente e arrogante. É como se, de uma hora para outra, eu e todos aqueles que entendem ser o candidato da esquerda a opção mais desastrosa para o país, passássemos a ser coniventes com a violência, a aprovar a perseguição aos negros, a estimular o espancamento de homossexuais. Que bobagem é essa? Se essa premissa fosse verdadeira seria de se supor, em contrapartida, que todos os que pensam em migrar para o PT aprovam os roubos astronômicos aos cofres públicos, os assaltos aos fundos de pensão dos aposentados, o apoio às ditaduras bolivarianas, a irresponsabilidade fiscal e o completo descaso com as contas públicas do país.
Portanto, caros amigos que pretendem votar no candidato petista neste segundo turno, lembrem-se de que não dispomos mais de votos bons e maus. Ambas as opções têm sérios problemas e estão, segundo a minha ótica, longe de serem o melhor caminho para o país. Mesmo assim, votarei de acordo com a minha consciência buscando o que entendo ser o menos prejudicial ao Brasil. Sugiro que façam o mesmo. Sugiro também que, daqui pra frente, antes de acusarem todo autor de alguma agressão ou incidente de “eleitor do coiso”, lembrem-se de chamá-lo, antes de tudo, de criminoso ou imbecil, e de que pessoas assim existem aos montes em ambos os lados. Não é o fato de alguém votar em Bolsonaro ou Haddad que irá determinar sua índole ou seu caráter. Sugiro, finalmente, quando ouvir mais uma vez que a esquerda é o único caminho para a liberdade e a democracia, que você se lembre de Guilherme Boulos incentivando uma multidão em comício a invadir a casa de Jair Bolsonaro; de José de Abreu ofendendo Regina Duarte e afirmando que não respeita “artista que defende fascista”; da garota que havia afirmado ter sido ferida com o símbolo da suástica por três apoiadores de Bolsonaro sob suspeita de automutilação; das testemunhas do assassinato de um professor de capoeira, além do próprio assassino, declarando que a briga que resultou no crime não foi provocada por divergência política, ao contrário do divulgado pela imprensa; das duas deputadas mulheres e do deputado negro mais votados da história do país, eleitos pelo PSL, e que não receberam um único aplauso vindo dos movimentos feminista ou negro; do professor da Universidade Federal da Bahia que foi preso em Salvador após tentar atropelar um homem que vendia camisas de apoio a Bolsonaro.
Se todos esses e muitos outros exemplos não o fizerem perceber que não estamos assistindo a uma luta entre Deus e o demônio, se ainda assim você considerar que existe o “ódio do bem”, talvez o voto mais imoral desta eleição seja exatamente o seu!