Não consigo prever qual será o impacto do atentado sofrido ontem por Jair Bolsonaro nos próximos pleitos. Não tenho dúvidas, entretanto, de que uma nova eleição começa agora. Uma eleição com muito mais indefinições que a anterior, que caminhava para um segundo turno entre dois extremos, com provável vitória da esquerda ou centro-esquerda. O atentado à democracia ocorrido ontem poderá provocar uma redução significativa na grande rejeição que o candidato atacado tem junto à população. Na mesma linha, também poderá provocar um aumento da rejeição dos candidatos ligados à esquerda. Se ambos os movimentos ocorrerem, a eleição pode até mesmo vir a ser definida no primeiro turno, possibilidade absolutamente inviável até o início da tarde de ontem. Claro, são apenas hipóteses e conjecturas, e somente as próximas pesquisas poderão indicar uma ou outra direção.
Algumas conclusões, entretanto, já podem ser alcançadas de antemão. A mais importante delas é a de que não vivemos uma democracia plena. Quando a violência assume o protagonismo em um debate eleitoral, quando pessoas comemoram o silêncio imposto a vozes dissonantes, quando a liberdade de expressão é cerceada com truculência, não há que se falar em exercício da democracia. Perdemos o rumo há algum tempo e não temos a menor noção de como encontrá-lo novamente. Vivemos em um país dividido não por ideologias distintas, ideias divergentes ou visões de mundo antagônicas. Vivemos sim em um país de guetos e de gangues inimigas, entrincheiradas e prontas para dispararem umas contra as outras. O disparo de ofensas, de inverdades, de distorções da realidade, de acusações de má índole passou a ser tão rotineiro quanto os tiroteios que se alastram pelo país em progressão geométrica. O debate de ideias não existe há muito e é desalentador perceber que poucos são os dispostos a dialogar, a apresentar argumentos e, principalmente, a escutar o que o outro tem a dizer. Poucos buscam compreender os motivos que o levaram às opiniões e verdades que o caracterizam.
O Brasil é um país de preconceituosos. E não me refiro apenas aos preconceitos clássicos tão exaustivamente debatidos. Falo do preconceito de opiniões, do preconceito de posturas, do preconceito de ideais. Para a maioria dos brasileiros, os autores sempre se sobrepõem às ações. Qualquer manifestação vinda daquele grupo ou indivíduo armazenado na prateleira “não presta” de nossas sectárias consciências individuais é instantaneamente descartada. Nada de bom pode vir dali. O oposto também ocorre e as pessoas passam a validar comportamentos sem sequer se darem ao trabalho de avaliarem suas razões, motivações e consequências. Assim, chegamos ao pobre cenário desprovido de novas trocas de ideias e de abordagens que vivenciamos hoje. Assim, atingimos o grau máximo do preconceito humano: o preconceito de pensamentos.
O Brasil comemora hoje 196 anos de sua independência. Quando estivermos celebrando o bicentenário, o governo do nosso próximo presidente estará se encerrando. Por isso, vou me permitir sonhar com uma realidade um pouco diferente para daqui a quatro anos. Não, que bobagem, sonhos não devem ser limitados. Daqui a quatro anos, anseio encontrar um novo país. Um país mais justo, mais responsável, mais atento, mais participativo, onde o cidadão tenha consciência de sua importância nas mudanças que almeja. Um país mais consciente de suas características e diversidades, mais disposto a debater posicionamentos e sugestões divergentes, mais determinado e seguro de seus rumos. Um país no qual todas as vidas tenham o mesmo valor, no qual qualquer atentado à liberdade provoque as mesmas reações de indignação em todos os segmentos da sociedade, no qual a hipocrisia reinante hoje seja substituída por um olhar mais amplo e mais condescendente. Um país, acima de tudo, mais unido, mais tolerante e mais feliz.
Esse é o meu sonho para os nossos duzentos anos de liberdade. Sim, é só um sonho, eu sei. Mas se não sonharmos primeiro, como poderemos um dia concretizá-lo? Temos que sonhar agora porque a viabilidade desse sonho, ou pelo menos de parte dele, depende inteiramente do que fizermos daqui a exatos 30 dias. Que não fujamos, portanto, à luta. E que o sol da liberdade em raios fúlgidos ilumine os caminhos deste grande país!