Há muitos anos, uma estrada vicinal liga uma pequena cidade à rodovia mais próxima. Durante décadas, os viajantes que por ela trafegavam somente podiam tomar o sentido à direita ou à esquerda no entroncamento que unia as duas vias. O que, a princípio, parecia ser uma mera questão de escolha, com o tempo se tornou rotina – uma vez que muitos habitantes do lugarejo se recusavam sequer a conhecer a direção oposta. Mais alguns anos se passaram e a população local já classificava seus conterrâneos apenas pela direção que escolhiam. Os que sempre viravam à esquerda, diziam que o caminho adotado era mais virtuoso e levava a um local de natureza exuberante, repleta de rios e florestas intocadas e de comunidades felizes abertas a todos, onde as pequenas casas se diferenciavam apenas pelo tom de suas cores vibrantes. Os frequentadores do caminho à direita, por sua vez, falavam do asfalto bem pavimentado, da produtividade dos vastos campos agrícolas, das cidades prósperas que se aglomeravam às margens da via e do merecido crescimento individual dos cidadãos daquelas localidades. Com o passar do tempo, a rivalidade se tornou tão acirrada, que os fãs de um dos lados passaram a atacar os adeptos do outro, enquanto escondiam propositadamente as mazelas que testemunhavam ao longo de seus próprios caminhos. Antes que pudessem perceber as consequências dessa segregação, todos já se consideravam inimigos. E assim, entre conflitos e inimizades crescentes, viveram por muitos anos.
Entretanto, há pouco tempo, uma obra inovadora foi realizada no entroncamento: uma rotatória foi construída na junção das duas vias. Além das duas únicas opções de outrora, novas estradas foram criadas a partir da rotatória recém-inaugurada. A cidade ficou em polvorosa. Os habitantes se questionavam se era realmente possível que caminhos intermediários nunca antes percorridos pudessem mesmo existir. Para onde essas estradas poderiam levá-los? Nenhum deles havia experimentado aquela liberdade de escolha antes. Naturalmente, muitos habitantes, cansados daquela dicotomia com a qual aprenderam a lidar, se mostraram dispostos a explorar novas trilhas, a descobrir novas culturas e a conhecer novas localidades, quem sabe, capazes de aliar a prosperidade com a natureza preservada, a liberdade com a inclusão, o esforço individual com a atenção coletiva. E assim partiram em busca de novas perspectivas.
Amedrontadas diante de uma possibilidade real de perderem o protagonismo conquistado, as lideranças das antagônicas castas dominantes se reuniram pela primeira vez. Elas sabiam que estavam agora lutando pela sobrevivência de seus ideais, afinal, haviam passado décadas afirmando a inexistência de quaisquer caminhos alternativos. Exatamente em função disso, cada cidadão daquela cidade tinha sido obrigado a escolher uma direção e a considerá-la como a única válida. Mas agora, diante de novas perspectivas, o papel de inimigo havia mudado de mãos. Um inimigo contra o qual a costumeira radicalização de argumentos perdia força. Os extremos perceberam que, para que um deles pudesse sobreviver, o outro teria que sair fortalecido. Perceberam que eram faces de uma mesma moeda, que estavam irremediavelmente conectados, que a existência de um dependia inteiramente da continuidade do outro. E assim os inimigos históricos decidiram unir suas forças.
A estratégia a ser adotada era muito simples. Antes que alguém se atrevesse a experimentar as novas estradas, cada lado iria se encarregar de convencer seus antigos aliados de que elas não os levariam a lugar algum. Eles iriam argumentar que, enquanto muitos dos seus perdiam seu precioso tempo com novas e inexploradas trilhas, os discípulos do caminho contrário se concentravam na estrada que sempre percorreram, tornando-a mais forte e soberana. Que as rotas alternativas, na verdade, levavam de forma disfarçada à direção oposta que tanto abominavam. Que a rotatória tinha sido construída com um único propósito: enfraquecê-los.
E assim fizeram. E assim fazem insistentemente desde que as novas rotas foram inauguradas. Hoje, mesmo com tantas possibilidades, a primeira e a última saídas da rotatória ainda são as mais percorridas. Muitos ainda nem sabem porque insistem em trafegar pelos extremos com tantas opções intermediárias disponíveis. Apenas seguem o fluxo. E aqueles que ainda se atrevem a buscar novos caminhos, que se recusam a considerar viáveis quaisquer das direções antagônicas, que percebem o camuflado pacto feito, também são tratados como rivais por ambos os extremos. Nem precisavam. Em breve, a rotatória será transformada novamente no velho entroncamento que uniu as duas vias por tanto tempo. E os planos de construção de uma nova rotatória serão guardados para um futuro no qual, quem sabe, a pobre, velha e atrasada cidade do interior esteja finalmente disposta a buscar caminhos um pouco menos turbulentos, mais tolerantes e bem mais promissores.