Nada mais justo que os caminhoneiros tenham acesso a um combustível mais barato, a valores de pedágio reduzidos, a preços mínimos de frete que cubram suas despesas.
Nada mais justo que alguém que já sustentava sua família aos 15 anos de idade, tenha direito a uma aposentaria integral após 35 anos ininterruptos de trabalho.
Nada mais justo que funcionários públicos concursados tenham estabilidade garantida, bônus cumulativos e valores de aposentadoria diferenciados, pois assim previa a legislação quando contratados.
Nada mais justo que grandes empresas, responsáveis pela geração de milhares de empregos, recebam subsídios para desenvolverem suas atividades com maior segurança.
Nada mais justo que empresas estatais controladas pela União possam ser usadas para controle de preços que venham a beneficiar a população.
Nada mais justo que alunos negros e pardos tenham acesso a cotas em universidades públicas, uma vez que não tiveram isonomia de oportunidades no ensino básico.
Nada mais justo que estudantes usufruam de transporte gratuito para que possam se locomover com facilidade e, assim, diminuir a evasão escolar.
Nada mais justo que dívidas de grandes empresas sejam perdoadas ou flexibilizadas pela União de forma a garantir sua viabilidade financeira e os empregos que delas dependem.
Nada mais justo que moradores de rua invadam imóveis desocupados uma vez que o Estado não é capaz de lhes propiciar moradias com um mínimo de dignidade.
Nada mais justo que médicos cobrem de seus pacientes valores complementares aos seus convênios, pois as cifras pagas por estes não são capazes de cobrir sequer os custos dos profissionais.
Todos os fatos e hipóteses descritos acima, assim como outros tantos, são absolutamente justos. E quanto mais de perto analisarmos qualquer situação, mais justa uma determinada reivindicação irá nos parecer. E essa é justamente a grande distorção que os brasileiros se recusam a avaliar. Poucos se dispõem a fazer uma leitura mais ampla, a olhar com distanciamento para o grande quadro chamado Brasil. Poucos se dispõem a tentar entender que um subsídio pontual, um privilégio concedido, uma exceção às normas vigentes irão gerar, inevitavelmente, impactos e consequências em diversas outras áreas. Poucos se dispõem a reivindicar benefícios abrangentes a todos os setores e classes que compõem a nossa sociedade.
A verdade é que, por aqui, todos buscam soluções para os seus problemas individuais e se lixam para os problemas dos outros. Como se as pretensões dos demais compatriotas, igualmente justas, tivessem menor importância. Como se todas as ações governamentais não estivessem interligadas. Uma população com uma cultura assistencialista arraigada, que espera sempre pela iniciativa do Estado para que seus anseios sejam atendidos. Com uma classe política que, reflexo da sociedade, faz do populismo sua plataforma básica de atuação cotidiana. Com uma classe empresarial dividida entre aqueles que se acostumaram às benesses concedidas pelo governo e aqueles que emprestam todos os seus esforços na manutenção de seus negócios e dos empregos que geram. E estes últimos ainda sofrem uma campanha tacanha que costuma demonizar qualquer iniciativa de empreendedorismo e disseminar a falácia de que empregados e patrões trabalham em campos opostos, como se o crescimento de um não dependesse do sucesso do outro.
Difícil imaginar qual será o primeiro passo para que o Brasil possa sair da grave situação em que se encontra. Mas sei que qualquer mudança de patamar como país deve ser obrigatoriamente precedida de uma mudança de mentalidade de sua população ou, pelo menos, da maior parte dela. Não podemos mais conviver com tantas justas situações pontuais capazes de provocar tamanha injustiça generalizada. E, enquanto não percebermos essa distorção, cada brasileiro continuará a clamar por justiça. A justiça de cada um. Só a justiça de cada um!