– Que quadro magnífico, não acha?
– Vejo que você gosta de arte abstrata.
– Meu caro, não se trata de arte abstrata. É bastante evidente o quadro que o pintor quis retratar.
– E parece que conseguiu, não é? Porque estamos diante de um quadro.
– Estou me referindo a quadro no sentido de paisagem, de cenário.
– Ah, tá…
– Repare nos tons. Note como o azul do céu se debruça sobre o verde da relva. E os pequenos pontos escuros formam um quadro nítido.
– Não é todo o conjunto que forma o quadro?
– Estou falando sobre o quadro de pessoas reunidas, aquele grupo de alunos ao lado da escola, entendeu?
– Não estou vendo nem a escola, quanto mais o “quadro” de alunos.
– E o quadro vazio diz tudo…
– Quadro vazio? Eu posso não estar vendo a escola mas o que não falta neste quadro é tinta.
– Meu incauto amigo, me refiro à lousa dentro da sala de aula, ao quadro-negro, vazio e danificado como na maioria das escolas do país.
– Ah, tá…
– E nem poderia ser diferente, o pintor certamente faz parte do quadro…
– Ah, vai me dizer agora que um dos pontinhos escuros é o pintor.
– Meu Deus, não. O que eu quero dizer é que o pintor deve pertencer ao quadro de artistas engajados que usam seu talento para denunciar as injustiças sociais no Brasil.
– Ah, tá…
– É o tipo de quadro que me emociona…
– Qual deles?
– Como assim qual deles?
– Ué, tem os quadros todos que você descreveu e tem esse aí na nossa frente, que aliás fui eu que pintei. Quer comprar?
– Ah, tá. Desculpe. Não sou muito fã de arte abstrata…