A diretora da escola entra na sala e pede licença para falar com uma das alunas.
– Rosângela, você pode vir à minha sala por um instante?
Assustada, a aluna de 14 anos de idade acompanha a diretora até o quinto andar da instituição. Assim que entram na sala, e antes mesmo de se sentarem, a diretora faz a primeira pergunta com evidente ansiedade:
– Então, querida, já se decidiu?
Na semana anterior, Rosângela havia sido nomeada pelos seus colegas como a representante da escola em um debate muito importante. A Prefeitura havia solicitado que os alunos, através de seus representantes, definissem se as diretorias das escolas municipais deveriam passar a ser eleitas pelos próprios alunos, ou se continuariam a ser indicadas pelo poder público, como era de praxe. Mas os representantes deveriam respeitar todas a Lei Orgânica do Município, cujas cláusulas não poderiam, de forma alguma, ser descumpridas. O município era pequeno, com apenas onze escolas municipais em funcionamento. A diretora sabia, àquela altura, que os outros dez representantes já tinham decidido seus votos. E eram cinco votos a favor da eleição direta e cinco contrários. O voto de Rosângela iria selar o destino de muitas pessoas. A própria diretora, que sempre fora amiga dos políticos da região, nunca se importara com a qualidade do ensino na sua escola, ou com a lisura de seus atos administrativos. Saía prefeito e entrava prefeito, seu cargo de diretora estava sempre garantido. E, por isso, a pressão sobre Rosângela aumentava a cada instante.
– Ainda não, D. Luíza – Rosângela sussurrou baixinho – tenho muitas dúvidas ainda.
– Vou ajudá-la a esclarecer todas elas, querida. Primeiro, você sabe que a Lei Orgânica não permite esse tipo de eleição, não é? Há uma cláusula que diz claramente que a indicação deve vir do prefeito.
– Sim, senhora, eu sei. Mas essa cláusula não é tão clara assim. Ela diz que a indicação deve vir da autoridade máxima do município. Quase todo mundo interpreta que essa autoridade é o prefeito, mas eu não estou totalmente convencida. Será que a autoridade máxima do município não é o povo? Afinal, foi o povo que elegeu o prefeito.
– Que bobagem, querida! Isso não tem cabimento. A eleição já passou. A maior autoridade só pode ser o prefeito.
– Pois é, já olhei por esse lado também. Por isso é que estou com tantas dúvidas. Acho que uma eleição direta, de pessoas que a gente conhece de perto, que a gente sabe que vai dirigir a escola com critério e cuidado, seria muito boa para a nossa escola e para todos os alunos.
– Não interessa o que poderia ser. A lei não pode ser modificada. Além do mais, você está dizendo que eu não sou uma boa diretora, menina?
– Não, não disse isso de forma alguma, D. Luiza – respondeu Rosângela, mais assustada do que nunca.
Neste momento, o coordenador do ensino fundamental que ouvia a conversa da sala ao lado, decide entrar na sala da diretora.
– Com licença, D. Luíza. Acho que seria adequado que eu também acompanhasse a reunião, a senhora não acha?
A diretora abaixa a cabeça e não responde.
– Boa tarde, Rosângela. Tudo bem por aí?
– Acho que sim – balbucia a garota, aliviada pela presença de alguém em quem confiava.
– Eu estava ouvindo a conversa e queria lhe dizer uma coisa muito importante.
– O que?
– A decisão, seja ela qual for, tem que ser sua, tem que ser baseada exclusivamente na sua consciência.
– Obrigada, sr. Sérgio.
– Pelo que ouvi, para você não há dúvida alguma sobre o que é o mais justo, não é?
– Exato. Se não houvesse a questão da Lei Orgânica não teria dúvidas de que a eleição direta seria muito mais benéfica para o município.
– E você também diz que a cláusula da Lei poderia ser interpretada de formas diferentes, não é?
– Sim, mas não tenho certeza disso.
– Mas essa é uma decisão que você vai ter que tomar. Ela é sua e de mais ninguém. Neste momento, você tem que decidir o que é mais importante para você, Rosa.
Ela gostava quando ele a chamava de Rosa.
– Rosa, o destino da nossa escola e do nosso município está em suas mãos! Qual será o seu voto, Rosa?
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