Muita atenção, senhoras e senhores. Informamos que, por falta de jurados, o nosso grande concurso de fantasias não será mais realizado neste Carnaval. Havíamos convidado oito dos mais proeminentes nomes da cultura brasileira atual. Entretanto, ao verem as fantasias inscritas na disputa, todos eles se recusaram a participar.
Como não poderia deixar de ser, a filósofa Márcia Kiporri foi a primeira a sair correndo da raia. Ela alegou que a fantasia de “Rei Arthur” era vilipendiosa pois o ente lendário não passa de um ser abjeto de formação subjetiva. Um embusteiro que, usando como metáfora uma espada que só ele é capaz de carregar, representa ardilosamente toda a opressão característica do patriarcado ocidental capitalista. Tentamos explicar a ela que a fantasia, na verdade, era do “Pequeno Príncipe” mas ela se recusou a ouvir e disse, através de mímicas, que não conversava com fascistas.
A segunda celebridade a desistir foi o mais novo e aplaudido intelectual brasileiro, Alexandre Chacota. Segundo ele, a fantasia de “Soldadinho de Chumbo” era uma representação boba e infantil da única instituição que merece a nossa inteira confiança nos dias de hoje: o exército brasileiro. Informamos a ele que a fantasia era baseada em um conto de Hans Christian Andersen mas ele nos disse que não estava a par das novas produções do mercado erótico já fazia algum tempo.
Já o deputado Jean Bullying afirmou que a fantasia “Branca de Neve e os Sete Anões” era evidentemente racista. Não apenas pelo nome duplamente albugíneo da única mulher presente mas pelo fato de, em grupo de sete homens, nenhum deles ser negro, nenhum deles ser gay, nenhum deles ser trans, nenhum deles ser pobre, nenhum deles ser portador de deficiência (ser anão não é deficiência, seu preconceituoso), nenhum deles ser refugiado e nenhum deles ser fã de Pabllo Vittar. Tentamos dissuadi-lo da desistência mas, como resposta, ele cuspiu em um dos nossos produtores e, antes de sair, gritou em alto e bom som: “canalhas!”
O famoso cantor Caetano Meloso também não deixou de se posicionar. O motivo da desistência foi uma fantasia intitulada “Álcool e tabagismo, os grandes males da atualidade”. Segundo ele, a fantasia poderia passar a falsa ideia de que o consumo de baseados, enquanto expressão legítima da representatividade humana no contexto do autoconhecimento coletivo, pode ser prejudicial a alguém. Coincidentemente, seu grande amigo, Chico Lularque, também saiu por discordar da mesma peça. O motivo alegado por este, entretanto, era de que a fantasia trazia a imagem de uma garrafa de cachaça, numa clara e inaceitável referência ao seu ídolo, o ex-homem mais honesto, Luís Sicário da Silva.
O “web influencer” Kim Katafora foi o próximo. Ele se recusou a participar da competição por causa da criativa fantasia “Eva em um Paraíso sem Adão”, curiosamente a única que mereceu elogios rasgados de Márcia Kiporri. Segundo Kim, Eva e a cobra sozinhas no Paraíso representavam uma distorção esquerdopata do tradicional conceito de família além de materializarem uma evidente apologia à zoofilia.
Já o ativista Guilherme Tolos afirmou que a fantasia de “Juiz Moro” era um acinte. Um juíz que protagonizou o maior golpe dado contra a democracia brasileira não era digno de ser lembrado em qualquer manifestação popular. Tentamos alertá-lo que, na realidade, se tratava de uma fantasia histórica sobre a “Raiz dos Mouros”, mas ele já tinha saído para ocupar o Sambódromo.
E, por último, o grande gênio moderno Gilberto Esquerdein, editor do site Babaca Livre, se recusou a ser jurado do concurso porque nenhuma das fantasias concorrentes era de super-herói, de unicórnio ou de plantas, as únicas que ele recomenda, permite e respeita!