Quando pequeno, em todo desenho que fazia ele tinha que incluir um lago azul. Mesmo que a ilustração fosse de um bairro, de um carro ou de um esporte, ele sempre dava um jeito de inserí-lo no contexto. O lago aparecia ao lado da estrada, da escola, do estádio, no parque municipal da cidade, ou até entre as colinas geométricas de um planeta imaginário. Se era a sua família que ele queria representar, eles sempre apareciam sorrindo e se divertindo às margens do mesmo lago azul.
À medida em que crescia, entretanto, os desenhos com lagos azuis ficaram mais escassos. As exigências feitas pelos professores permitiam cada vez menos impulsos de criatividade. E, quanto mais velho ele ficava, as atividades mais técnicas e pragmáticas lhe permitiam ainda menor liberdade. Mesmo assim, ele não conseguia conter um sorriso sempre que se lembrava do seu lago azul e do tempo em que suas preocupações se dissipavam apenas com a proximidade de sua família. Dessa forma, percebendo que família e lago azul estavam tão conectados, ele passou a associar um ao outro.
E assim ele cresceu, buscou seus próprios caminhos, errou, acertou, sorriu, sofreu, mas nunca se esqueceu do seu lago azul e da familia que este representava. Quando encontrou o amor da sua vida, fez questão de mostrar também a ela o seu lago. Fez questão de dizer que, a partir daquele momento, ela também fazia parte da família e era, naturalmente, legítima participante daquela magia. O encontro entre eles foi repleto de uma emoção acima das expectativas. Ela e o lago se mostraram tão íntimos que ele chegou a pensar que se conheciam desde sempre. “Bom sinal”, ele imaginou. E, desde então, o lago passou a fazer parte da vida de ambos. Durante vinte anos, eles caminharam e cresceram juntos, tendo sempre o lago como companhia e referência.
Hoje, finalmente, eles foram mostrar o lago azul a todos os membros da família que formaram. Afinal, lago e família sempre foram um só, não era possível deixá-los de lado. Como esperado, os novos membros se emocionaram ao serem apresentados ao famoso lago pela primeira vez. Mas reconheceram nele bem mais do que apenas a família da qual faziam parte. Reconheceram também o amor que unia a todos, a cumplicidade de interesses e objetivos, a liberdade de pensamentos e motivações, e o respeito às diferenças e individualidades. E assim, através da clarividência daqueles que imaginava estar apenas ensinando, ele finalmente conseguiu perceber que o lago nunca tinha sido, para ele, uma mera representação da família. O lago sempre fora, simplesmente, sinônimo de felicidade.
E hoje, junto aos quatro, o lago se tornou mais azul do que nunca!