O pintor não usou subterfúgios, não criou disfarces, não buscou velar ações nem esconder partes dos corpos com suas pinceladas. A pintura retrata, de forma clara, uma cena de sexo praticada entre três homens.
Outro artista, por sua vez, preferiu representar a luta de dois homens nús em uma escultura. O bloco de mármore captura o momento exato em que o primeiro ergue com as mãos o segundo e este segura avidamente os órgãos genitais de seu adversário.
Em outra tela, os protagonistas são um ser humano e um animal. Mesmo seu autor tendo sido um pouco mais discreto, a ação retratada não permite interpretações divergentes. Trata-se de mais uma evidente cena de sexo.
A escultura em pedra amontoa os corpos nús de homens e mulheres. Uns sobre os outros, e em quase todas as posições possiveis, eles acabam por moldar um enorme falo.
A grande polêmica da semana no Brasil vem de Porto Alegre. Depois de um mês em cartaz, a exposição Queermuseu, promovida pelo Santander Cultural, foi alvo de uma enxurrada de críticas e acusações de apologia à pedofilia e à zoofilia, além de desrespeito às religiões. Como acontece cada vez com maior frequência no Brasil, os extremos puxaram para si o protagonismo do debate. Bom, debate, neste caso, não passa de uma mera figura de linguagem, uma vez que, como já virou rotina, ninguém procurou ouvir nenhum argumento contrário à sua própria limitada e malfadada ideologia. Enquanto um lado ameaçava a instituição financeira com uma debandada de clientes caso a exposição não fosse suspensa, o outro chamava os críticos de fascistas, censores, retrógrados, filhotes da ditadura e diversos outros “elogiosos” adjetivos.
Pois bem, aqui vou eu tentar encontrar alguma luz no meio dessa confusão. Mais especificamente naquele meio, pequeno espaço que se localiza entre os dois grandes extremos. Meio que, pelo menos assim acredito, sempre guarda o que resta de bom senso neste mundo dicotomizado. E, assim sendo, tenho plena consciência que irei desagradar a gregos e troianos. Paciência…
Começo dizendo que, para que pudesse emitir minha opinião, tive o cuidado de assistir a um pequeno documentário sobre a exposição, feito antes de toda esta polêmica ter início, e onde várias das obras foram mostradas e contextualizadas, inclusive as mais controversas. Pelo que pude ver, gostei de muitas obras e várias outras não me agradaram. Nada muito diferente do que costumo vivenciar na maioria das exposições a que compareço.
Na minha visão, o grande erro da organização foi não ter estipulado uma idade mínima para os visitantes da mostra. Considero que algumas obras exigem maturidade para serem observadas e, portanto, crianças menores não deveriam ter tido acesso à exposição. Mas daí a dizer que há apologia à pedofilia, à zoofilia, à sodomia, vai uma distância muito grande. Apologia, por definição, é a defesa ou o apoio a alguma ideia ou crença. O fato de se exporem obras retratando práticas que muitos consideram inaceitáveis, não significa que essas práticas estejam sendo defendidas ou estimuladas pelo expositor. Se assim fosse, obras de arte que retratam guerras, mortes e violências também deveriam ser proibidas em todos os museus do mundo. As obras já existiam anteriormente e não foram encomendadas para “afrontar a sociedade”. Foram apenas selecionadas para a mostra. E várias delas são, na minha opinião, realmente de péssimo gosto e sem nenhuma relevância artística. Mas essa é apenas a minha opinião. E não creio que a minha opinião seja motivo suficiente para que qualquer exposição seja interrompida.
Já do outro extremo, como eu disse, vieram os gritos exaltados de “censores”, “fascistas” e “homofóbicos”. Gritos indignados vindos exatamente daqueles que, há poucas semanas, deliraram quando um grupo de cineastas retirou seus filmes de um festival apenas porque havia, entre as dezenas de filmes participantes, dois que “afrontavam” a ideologia reinante no meio. Acusações vindas daqueles mesmos que impediram que uma peça teatral em Belo Horizonte tivesse sequência simplesmente porque o protagonista do espetáculo cometera o “crime” de considerar o então governo incompetente e corrupto. Recriminações vindas daqueles que aplaudiram quando Chico Buarque retirou a permissão para que sua música “Roda Viva” continuasse abrindo o programa homônimo da TV Cultura, depois de uma “inaceitável” entrevista com Michel Temer. Críticas, enfim, vindas de um grupo cuja pseudotolerância não é capaz de esconder o pobre e podre mundo de hipocrisia em que habitam.
Muito bem, opiniões emitidas, gregos e troianos desagradados, me despeço com um último e importante esclarecimento: as obras de arte que citei no início deste texto não faziam parte da mostra do Santander. A primeira é uma pintura feita em um vaso grego datado do século V a.C., e que está exposta no Museu de Oxford. A segunda é uma obra do escultor italiano Vincenzo di Rossi, feita em 1560, e exposta no Palazzo Vecchio, em Florença. A terceira é um quadro feito em 1600 pelo pintor alemão Peter Paul Rubens. E a quarta é uma obra do escultor norueguês Gustav Vigeland e está localizada, ao ar livre, no fantástico parque que leva seu nome, na cidade de Oslo.
Sorte desses artistas não terem nascido no Brasil atual. Provavelmente estariam condenados a pintar naturezas-mortas e esculpir imagens abstratas pelo resto de suas vidas. Nada contra, muito pelo contrário, mas é que contrariar, de vez em quando, sempre fez um bem danado ao mundo!