Um policial rodoviário conta suas dez notas de cinquenta reais, recebidas depois de liberar um motorista que dirigia sem carteira em uma estrada vicinal do interior do país. Quinhentos reais que, somados às demais propinas dos últimos meses, irão ajudá-lo a quitar as dívidas que vêm se arrastando há tanto tempo. “A Polícia não consegue me pagar um salário decente”, pensa ele, “tenho que me virar para sobreviver. Sou um batalhador”.
Um poderoso político brasileiro manda seu assessor de confiança buscar a propina da semana. O servo obediente não consegue carregar a mala de dinheiro sem deixar transparecer todo o seu medo de ser pego e identificado. Dentro da mala, os quinhentos mil reais em espécie fazem os reles quinhentos reais do policial rodoviário parecerem quase justos. “O que recebo no executivo é uma miséria”, pensa o político, “faço muito pelo país e mereço bem mais. Sou um batalhador”.
Um ex-ministro, ex-diretor de banco público, ex-anão do orçamento e ex-queridinho de todos os partidos teve seu apartamento invadido pela Polícia Federal. Lá dentro, foram apreendidos mais de cinquenta e um milhões de reais, também em espécie. Dinheiro que faz o valor da mala do político poderoso parecer quase insignificante. “Alguém tem que arrecadar os recursos para bancar as campanhas do meu partido e dos nossos aliados”, pensa o ex-venerado, “faço o que posso para continuar influente. Sou um batalhador”.
O partido político e seus líderes, que governaram o país por mais de treze anos, são acusados de receberem, a título de propina, quase um bilhão e meio de reais. Valor que faz com que os cinquenta e um milhões encontrados no apartamento do ex-amiguinho de todos pareçam trocados para a feira da semana. “Nunca antes na história deste país se produziu tanta riqueza”, pensa o chefe da gangue, “tenho que fazer de tudo para que o nosso projeto se mantenha sempre vivo. Sou um batalhador”.
O presidente de um importante comitê brasileiro compra os votos dos delegados internacionais e consegue trazer para o país o maior evento esportivo mundial. Para organizar o evento, gastamos mais de quarenta bilhões de reais em um momento de crise. Dinheiro que faz a propina da gangue quase parecer uma quantia tangível. “Jamais um evento desta magnitude foi realizado em solo brasileiro”, pensa o eterno comandante do esporte nacional, “é justo que eu seja bem remunerado por isso. Sou um batalhador”.
Unida, a classe política brasileira conseguiu, através da corrupção, da incompetência, da mentalidade tacanha, do populismo, e da ideologia retrógrada, a façanha de transformar, em poucos anos, um país próspero e invejado pelo mundo no palco do rombo de quase um trilhão de reais. Montante que faz os gastos com o evento esportivo parecerem quase irrisórios. “Os interesses do país são as nossas preocupações prioritárias”, pensam os nossos ilustres representantes, “desde que nos atendam primeiro. Somos uns batalhadores”.
Nosso Brasil, terra de gente batalhadora, hoje comemora sua independência. Há 195 anos, D. Pedro I gritou o famoso “Independência ou Morte” às margens plácidas do Ipiranga. Desde então, a morte, bem mais que a independência, tem sido companhia constante do plácido povo brasileiro. Não apenas as inúmeras mortes causadas pelo completo descaso do poder público, mas, principalmente, a morte dos valores, a morte dos princípios, a morte da esperança de que, um dia, os brasileiros batalhadores de verdade, aqueles que sabem que um único real obtido imoralmente é o bastante para envergonhá-los diante do espelho, possam se ver independentes dos canalhas filhos da puta que ainda comandam este país. Hoje, neste sete de setembro, espero apenas que consigamos fazer com que a verdadeira independência brasileira aconteça antes que a nossa esperança, definitivamente, à terra desça!