Volto para o escritório em mais um fim de tarde de sexta-feira. Outra semana de trabalho árduo que ainda não terminou. Trabalho pelo qual sou imensamente grato, pois testemunho, a cada dia, cada vez mais pessoas competentes e capacitadas em busca daquilo que não deveria faltar em qualquer sociedade: oportunidade. No trânsito, nitidamente mais caótico, o rádio é a minha companhia de sempre. Por mais que goste de música, tanta coisa tem acontecido a cada instante que não consigo mais me desvencilhar dos canais de notícias. Assim, passo as duas últimas horas em um carro quase parado ouvindo uma sequência sem fim de nomes, apelidos e valores astronômicos. Nenhum deles na casa dos milhares. Os mais frequentes estão na casa das dezenas de milhões. Valores que, certamente, jamais serei capaz de receber pelo meu trabalho, mesmo que ainda venha a ter uma vida longa e produtiva. Valores que fazem com que o custo da folha de pagamento e dos impostos que quitei hoje pareçam menores que um grão de areia no deserto do Saara. Tanto suor, tanto esforço e tanto trabalho foram necessários para que esse grão pudesse ser conquistado. Na verdade, nos últimos anos, tem sido tão difícil conseguir juntar os grãos de areia que, sinceramente, perdi a capacidade de mensurar o tamanho das dunas.
A descrição dos milhões associada aos nomes de seus beneficiários me causa náuseas. Porque chego à triste conclusão de que o Brasil sempre foi movido a dinheiro, e a muito dinheiro. E não me refiro ao produto de um capitalismo fundamentado na liberdade de empreender, empregar, produzir e gerar riquezas. Ou na legitimidade de se buscar crescimento, prosperidade e bem estar. Afinal, esse capitalismo generoso nunca nos foi permitido por aqui. No Brasil, vale apenas a versão sórdida do capitalismo. Aquele que depende de uma rede de influências, aquele de compadrio, aquele onde poucas e grandes empresas se tornam imensas às custas dos interesses dos homens que controlam o dinheiro público. Pra piorar, a maioria do dinheiro que circula nessas rodas jamais chegou a ser produtivo, jamais chegou a ser tributado, jamais chegou a criar novos postos de trabalho. Foram simplesmente desviados de empresas e bancos públicos que deveriam ter a função de zelar pela correta aplicação de recursos que jamais lhes pertenceram. Desviados para bancar a maior concentração de bandidos de que se tem notícia no mundo moderno. Canalhas, patifes, ladrões da esperança alheia, cafajestes da pior estirpe. E não me refiro apenas aos “políticos” brasileiros, que deturparam uma atividade das mais nobres e a transformaram em sinônimo de obscenidade. Estão nessa também os poucos empresários que se beneficiaram de um sistema podre, em detrimento dos milhões de outros empresários que continuam juntando seus grãozinhos de areia para manterem vivos seus sonhos de vida, e os sonhos de tantos empregados que deles dependem. Milhões de trabalhadores que têm que se contentar com salários ridículos, porque os canalhas lhes tomam a maior parte em forma de impostos e de pseudo garantias. Dinheiro que jamais retorna em bem estar social, mas que nunca falta para o financiamento ilícito de quase a totalidade dos membros que compõem cada um dos poderes desta triste nação.
Chego ao escritório exaurido e desanimado. Pra minha surpresa, continuo a ler diversas manifestações de pessoas que conseguem ainda defender uma parte da corja que os rouba diária e descaradamente. Mas hoje, depois de uma semana tentando juntar alguns grãos de areia, não tenho energia para debater ou argumentar com aqueles que insistem em proteger os donos das grandes dunas, todas subterrâneas, obviamente. Talvez na segunda-feira, depois de um fim de semana de descanso, meu ânimo se recupere. Talvez na segunda-feira, novas listas de nomes, apelidos e milhões sejam lidas nas rádios. Talvez na segunda-feira, outros canalhas passem a ter dificuldade de dormir, com medo de que não venham a usufruir das dunas que juntaram. Talvez na segunda-feira, eu possa acreditar que este país, um dia, poderá vir a ser pródigo em grandes e generosas dunas, visíveis e disponíveis a todos que quiserem realmente crescer, trabalhar e empreender. Talvez na segunda-feira, eu possa voltar a ter, pelo menos, um pouquinho de esperança no Brasil!