O sujeito chega em frente ao balcão de informações da central de concursos públicos federais.
– Em que posso ajudá-lo? – oferece, solícita, a atendente de meia-idade.
– Quero me inscrever para participar do próximo concurso.
– Sinto muito, senhor, mas as inscrições só podem ser feitas pela Internet.
– Eu sei disso – responde o homem – mas é que estou com muitas dúvidas.
– Pois não. Estou aqui para esclarecê-las.
– A senhora acha que eu sou viado?
– Meu Deus, que pergunta é essa?
– A senhora sabe, bicha, gay, boiola, fanta, biba, mordedor de fronha, essas coisas.
– O que é isso, senhor? Eu nem o conheço!
– Eu sei, estou perguntando o que a senhora acha.
– Eu não acho nada! – e começa a olhar para os lados em busca do segurança mais próximo.
– A senhora não está entendendo. Eu quero saber se eu pareço viado para a senhora.
– Não, nem um pouco. – responde, ainda assustada.
A decepção estampada no rosto do sujeito não poderia ser maior. Intrigada, a mulher arrisca prolongar o diálogo.
– Senhor, não estou entendendo. Existe alguma dúvida, com relação ao concurso – enfatiza – que eu possa esclarecer?
– Pra falar a verdade até existia, mas a mais importante era essa mesmo.
– Essa… essa o que? O que o senhor me perguntou não tem nada a ver com o concurso!
– Não tem? Deixa eu contar uma coisa pra senhora. Eu estudo pra concursos há cinco anos. No primeiro, fui até bem nas provas, mas fiquei como segundo excedente. Não passei por meio ponto. No segundo, fui melhor ainda, mas acabei como o décimo quinto de fora. E assim foi no terceiro e no quarto. A cada ano, eu melhorava as notas e ficava mais longe das vagas.
– E o que isso tem a ver com…
– Eu ainda não terminei – interrompe o homem, rispidamente.
– A senhora saberia me dizer por que isso aconteceu?
– Não tenho a menor ideia.
– Porque, a cada ano, existiam menos vagas disponíveis nos concursos. Porque, a cada ano, uma nova cota era implantada. E o pior, eu não tinha como me encaixar em nenhuma delas. Hoje, vinte por cento das vagas são de negros e pardos, mas eu sou quase albino. Vinte por cento são de mulheres, mas eu não menstruo. Quinze por cento são de deficientes físicos, mas eu nunca perdi nem os cabelos. Dez por cento são de índios, mas eu sou louro e não sei pescar. Dez por cento são de refugiados, mas eu sou brasileiro descendente de alemães. Minha única esperança era a nova lei que aquele deputado propôs e que está para ser aprovada a qualquer momento pelo congresso: quinze por cento das vagas são para homossexuais e transexuais. Mas aí vem a senhora e acaba com a minha esperança!
– Olha meu senhor – diz a atendente sensibilizada – sem querer te animar, mas eu reparei que o senhor rebolou bastante quando caminhou até aqui. Acho que o seu caso não está perdido.
– Sério? Nossa, a senhora me deixou bem animado agora. Nunca ninguém tinha me achado afeminado antes! Acho que vou chegar em casa e começar a experimentar uns sapatos da minha mulher só pra treinar.
– O senhor é casado? – interrompe a atendente.
– Sou sim, mas eu posso alegar ser bissexual, não posso?
– Claro que não! Bissexuais não entram na cota. O senhor está achando que é fácil assim? Que o deputado iria propor uma lei idiota dessas? Ponha-se daqui pra fora e estude mais da próxima vez! Pra entrar no serviço público tem que ser por mérito! Cada um que aparece…