Eu tenho uma pequena empresa há quase vinte e cinco anos. Tenho vários funcionários registrados que recebem rigorosamente em dia seus salários. Pago, também em dia, e com enormes sacrifícios, todos os estratosféricos encargos sociais determinados pelas diversas legislações, pela CLT, pelos sindicatos da categoria, etc. Não vou entrar aqui no mérito da discussão sobre o quanto os tão defendidos “direitos do trabalhador” o prejudicam muito mais do que o protegem, pois sei que não tenho paciência para ler respostas do tipo: “se tivesse que pagar menos encargos você não iria repassar essa diferença aos seus funcionários. Iria colocá-la no bolso e lucrar ainda mais às custas do proletariado.” Portanto, para poupar tempo e energia a todos, pode me considerar, de antemão, um capitalista fascista, explorador e insensível que só consegue pensar em dinheiro. Juro que não vou me ofender. Na verdade, dependendo de quem fizer a afirmação, sei que chegarei a considerá-la até um elogio.
Feitas as devidas apresentações, capitalista-selvagem-mas-que-cumpre-as-leis de um lado, leitor do outro, passo ao tema que pretendo abordar neste texto: a lei que libera a terceirização de mão de obra, aprovada ontem no Congresso Nacional. Farei algumas observações a seguir e gostaria, sinceramente, que as diversas pessoas com pensamento discordante se posicionassem, colocassem seus pontos de vista, apresentassem argumentos, pois acredito que só assim poderemos superar os aspectos ideológicos da medida e entrarmos para valer no debate das ideias.
Tenho ouvido muitas críticas, não apenas ao projeto aprovado, mas principalmente à possibilidade de que uma atividade fim da empresa possa vir a ser exercida por uma outra terceirizada. Nos primeiros anos da minha empresa, em meados dos anos 90, chegamos a contratar empresas que terceirizavam mão de obra. É importante que se diga que, naquela época, não existia nenhuma regulamentação da atividade de terceirização. Na verdade, não existe, até hoje, uma legislação específica sobre o tema. As “regras” vigentes foram definidas pelo TST e servem apenas de orientação. Pois bem, os funcionários terceirizados que contratamos recebiam exatamente o mesmo salário que os funcionários fichados na minha empresa. E nem poderia ser diferente pois os salários já eram (e ainda são) definidos pela convenção coletiva de cada categoria.
Por que terceirizávamos, então? Simplesmente por uma questão de logística. Não tínhamos que incluí-los na nossa folha de pagamento e fazer os pagamentos de FGTS, GPS e outros incidentes ao longo do mês. Quando um serviço terminava, também era mais fácil dispensar a mão de obra terceirizada. Afinal, não tínhamos que ir a sindicatos para homologar as rescisões e não tínhamos que desembolsar, de uma só vez, os valores referentes à dispensa. A empresa terceirizada nos cobrava por todos esses encargos mensalmente, e pagávamos tudo, uma vez por mês, através de um boleto e sua respectiva nota fiscal. Para os funcionários, entretanto, nada mudava. Eles recebiam todos os direitos trabalhistas da mesma forma.
Com todas essas facilidades, por que não terceirizávamos tudo? Porque sempre, em qualquer empresa, haverá inúmeros funcionários nos quais você confia. Funcionários que receberam treinamentos, que cresceram sabendo como a empresa trabalha e quais são as suas prioridades, seus objetivos, sua linha de conduta. E isso é imprescindível para o sucesso de qualquer empresa. Portanto, posso afirmar categoricamente que, mesmo depois que a nova lei entrar em vigor, não vou demitir ninguém com o objetivo de contratar um terceirizado em seu lugar. Até porque demitir alguém no Brasil custa muito dinheiro e é exatamente por isso que o índice de desemprego demorou a subir, mesmo depois que o país já estava em crise. Nenhum empresário gosta de demitir. Só fazemos isso em último caso. E não por sermos bonzinhos (lembre-se de que já me autodefini como capitalista explorador), mas porque gasta-se muito dinheiro dispensando um funcionário. Exatamente pela mesma razão, o hoje altíssimo número de desempregados também vai demorar a cair, mesmo que o país volte a crescer. Ter um funcionário registrado custa muito caro. Ninguém quer se arriscar a fazer novas contratações a não ser que esteja muito seguro das perspectivas futuras. Mas isso muda de figura quando passa a existir a possibilidade de contratação através de uma empresa terceirizada, que irá se responsabilizar pelos diversos pagamentos trabalhistas mensais e também pelos rescisórios, se houver a necessidade de dispensa de mão de obra.
Outra crítica à lei que tenho ouvido com frequência se refere à responsabilidade trabalhista das empresas. Mas a nova lei não exclui o direito de todo trabalhador reclamar na justiça caso venha a se sentir lesado. Ele poderá entrar com uma ação contra a empresa terceirizada sabendo que a empresa contratante responde subsidiariamente caso a sua empregadora direta não venha a arcar com suas obrigações. Sabendo disso, parece-me óbvio que os empresários irão procurar cobrar de suas terceirizadas os comprovantes de todos os encargos devidos referentes aos funcionários que lhes prestam serviços. É simplesmente uma questão de bom senso.
Também ouvi diversas vezes que, com a nova lei, as empresas vão passar a terceirizar todos os seus funcionários pois, assim, seu custo com mão de obra será reduzido à metade. Metade como, se os funcionários continuarão fichados, só que em uma empresa diferente? Se uma empresa viesse a me oferecer algo tão milagroso, eu seria estúpido se não desconfiasse que ela não está pagando muitas de suas obrigações. E, nesse caso, eu acabaria tendo que arcar com uma despesa muito maior lá na frente. Já para o preenchimento de cargos mais técnicos, cujos salários normalmente são superiores aos mínimos definidos por lei, continuará havendo a possibilidade de contratação individual de pessoa jurídica, prática já largamente utilizada atualmente. Essa forma, assim como já ocorre hoje, permite que haja condições favoráveis tanto para patrões quanto para empregados, com os primeiros reduzindo consideravelmente sua carga tributária e com os segundos recebendo uma remuneração melhor do que receberiam se registrados fossem.
Portanto, acredito termos aprovado uma lei que pode impulsionar a contratação de mão de obra em um país que tem, hoje, mais de treze milhões de desempregados! Um país no qual mais da metade da mão de obra empregada não tem carteira assinada e, portanto, não recebe benefício trabalhista algum. Uma lei que não retira os direitos do trabalhador, pois este continuará recebendo férias, décimo-terceiro, FGTS, verbas rescisórias, etc., exatamente da mesma forma como acontece em qualquer empresa hoje. Uma lei que mantém o direito que qualquer trabalhador possui de abrir um processo judicial contra seus empregadores. Uma lei que pode conter distorções e, certamente, exigirá uma série de regulamentações, mas que, de forma alguma, pode ser considerada um retrocesso, muito pelo contrário. Se o Brasil não se modernizar, não deixar para trás seus conceitos arcaicos, crises como a que estamos vivenciando serão cada vez mais frequentes e duradouras. E isso não é bom para ninguém!