O homem mais honesto do Brasil sempre teve um problema de memória, e isso não é de hoje. Sempre foi péssimo fisionomista, e se esquecia instantaneamente das pessoas que indicava para os cargos comissionados do seu governo. Sempre foi extremamente altruísta, tanto que costumava contemplar desconhecidos com cargos estratégicos nas maiores estatais brasileiras. E isso sem pedir nada em troca, pelo menos nada de que ele pudesse se lembrar. Como se esquecia facilmente de tudo, deixou até de prestar atenção ao que acontecia à sua volta. Seus assessores, seus companheiros e amigos próximos se envolviam com todo tipo de corrupção, mas o homem mais honesto do Brasil não percebia. Mesmo porque, se tivesse percebido, certamente não teria se lembrado. As falcatruas dos companheiros lhe proporcionaram governabilidade, lhe forneceram recursos ilimitados para suas campanhas, lhe deram condições de agir com a liberdade que sempre quis. Os amigos foram sendo presos e condenados, mas o homem mais honesto do Brasil só conseguia ficar cada vez mais indignado. Nada mais natural, afinal, ele não era capaz de se lembrar sequer de um leve desvio de conduta por parte de qualquer um deles. Com uma memória tão falha, ele sempre dizia que precisava anotar tudo, para que pudesse se lembrar mais tarde. Mas o problema continuava porque ele nunca sabia onde mantinha guardados os seus apontamentos. Com o tempo, esqueceu-se definitivamente de fazer anotações e, desde então, qualquer registro dos seus atos deixou de existir. Às vezes não imaginamos como a vida pode ser tão dura. Até mesmo a vida do homem mais honesto do Brasil!
Cientes dos problemas vividos pelo homem mais honesto do Brasil, seus amigos leais jamais citavam seu nome. Negavam as acusações sofridas ou assumiam sozinhos a responsabilidade pelos atos dos quais haviam sido acusados. Não queriam trazer problemas ao amigo de longa data, principalmente quando esse amigo era, simplesmente, o homem mais honesto do Brasil. Um homem cada vez mais limitado diante de um problema neurológico tão sério. E assim, sem os estímulos necessários, o homem mais honesto do Brasil cada dia se lembrava menos das coisas.
Hoje, o problema de memória do homem mais honesto do Brasil atingiu um estágio crítico. Mesmo com toda sua falta de memória, ele sempre conseguia voltar para casa sozinho. Sabia seu endereço, sabia onde morava. Mas agora, o homem mais honesto do Brasil está perdido. Ele não se lembra sequer do seu apartamento no Guarujá. Não se lembra que comprou armários novos, que instalou um elevador privativo, que trocou o piso, que construiu um novo espaço gourmet na cobertura. Não se lembra que sua esposa já levou quadros, escolheu as cores das paredes e das portas, que decorou o apartamento com todo esmero só para que ele pudesse relaxar e assim, quem sabe, recuperar parte de sua memória perdida. Mas o problema está só piorando.
Até mesmo do sítio no interior, onde ele e sua família passam os fins de semana há muitos anos, o homem mais honesto do Brasil se esqueceu. Um lugar que já foi palco de festas, de encontros, de receber amigos e companheiros, hoje parece ser completamente estranho para o homem mais honesto do Brasil. Claro que a impossibilidade de contar com a presença de tantos amigos encarcerados pode ter contribuído para a aceleração do processo degenerativo que afeta, tão fortemente, a sua memória. Mas, mesmo sem ter como se lembrar, tenho certeza de que o homem mais honesto do Brasil sente falta de ver aquele sítio repleto de pessoas desconhecidas, ou daquelas cujos nomes ele não conseguia se lembrar. Afinal, o que ele sente falta mesmo é da grande farra que sempre acontecia.
Minha preocupação maior hoje, mais do que a saúde do homem mais honesto do Brasil, é que uma parte importante da memória deste país possa estar correndo o risco de se perder. E seria uma grande lástima se isso viesse realmente a acontecer. Felizmente, existem indícios, cada vez mais contundentes, de que o homem mais honesto do Brasil possa vir a se consultar com um dos maiores especialistas em memória hoje no país. Seu consultório em Curitiba está mais movimentado a cada dia, e é impressionante como as pessoas passam a se lembrar de quase tudo depois de uma única consulta. Acho que essa será a última esperança para que o homem mais honesto do Brasil possa recuperar a sua memória. Entretanto, se, mesmo assim, ele não conseguir se lembrar de nada, espero apenas que o povo brasileiro jamais se esqueça dele!