Coronelino é deputado federal. Ponto. Até chegou a se formar em direito, mas não por vocação. Apenas para poder fazer parte do diretório acadêmico da faculdade e, naquele ambiente propício, dar seus primeiros passos como líder estudantil. Deputado federal é, há muito, a verdadeira profissão de Coronelino. É o que ele sabe fazer.
Começou como vereador de uma pequena cidade do interior e foi galgando postos mais ambiciosos até conseguir chegar ao congresso nacional, de onde não mais saiu. Coronelino nunca ocupou cargos de destaque na câmara. Ele mesmo sempre preferiu ficar à margem das disputas pelo poder na casa. Tampouco cogitou a hipótese de disputar uma vaga no senado ou um cargo no executivo. Não são essas as aspirações de Coronelino. Ele já chegou onde queria. É quase desconhecido no país mas investe a grande parte da sua verba parlamentar nos seus próprios currais eleitorais, o que vem garantindo a ele votos para suas seguidas reeleições. Ele prefere ficar assim, na penumbra, longe dos holofotes da mídia. Seus subordinados têm a função de manter seus atos e suas contribuições muito claras aos seus eleitores, principalmente nos doze meses que antecedem cada pleito.
Coronelino sempre foi o idealista de um único ideal: manter seu emprego. Jamais foi considerado um grande orador, mas sempre conseguiu transmitir aos seus eleitores a imagem de uma pessoa séria. Para atingir esse objetivo, optou pela discrição. Ele sempre soube que, caso viesse a se destacar em demasia, correria um risco muito maior de ver questionados o crescimento absurdo do seu patrimônio, o enriquecimento anormal dos seus filhos e a participação das empresas da família na administração pública.
Apesar de pouco aparecer, Coronelino conhece todos os meandros da política e sabe articular apoios em troca de propinas e de influências. Sabe como fazer parcerias com as prefeituras da sua região e, dessa forma, beneficiar as empresas apadrinhadas nas obras e serviços próximos de seus eleitores. Sabe, principalmente, como se colocar do lado certo. E o “certo” para ele, é sempre o lado que detém o poder e as verbas.
Quando seu partido apóia um governo forte e popular, Coronelino segue à risca as orientações da liderança, mesmo entendendo, na sua limitada capacidade de discernimento, que as decisões por ele endossadas poderiam levar o país a enfrentar um caminho difícil mais à frente. Mas, quando ele percebe que seu partido passa a apoiar um governo fraco e sem comando, integra imediatamente o bloco dos que abandonam o barco à deriva. Assim, fica à vontade para continuar se posicionando em sintonia com os anseios populares. Suas decisões se baseiam sempre em dois pilares: quanto ele vai embolsar, e o que podem vir a pensar os eleitores das suas bases eleitorais, sempre sensíveis a medidas populistas e protecionistas, difíceis de serem tomadas quando o dinheiro acaba. Coronelino, dessa forma, mantém-se coerente com sua forma de agir. Mantém-se coerente com o seu ideal de manutenção do próprio emprego.
A princípio, Coronelino não apoiou o fim da permissão das doações de empresas a partidos e candidatos. Apesar de estar certo de que elas continuariam tendo todo o interesse em financiar suas campanhas, entendia que os novos esforços necessários para burlar essa determinação poderiam dificultar a sua capacidade de arrecadação. Ficou tranquilo ao ouvir de um contador que, na verdade, ao mesmo tempo em que seria mesmo exigida uma criatividade maior, também seriam bem mais difíceis os eventuais rastreamentos da origem dos recursos. Portanto, na prática, nada iria mudar. Depois desse esclarecimento, Coronelino passou a apoiar a medida.
Coronelino continua trabalhando muito nos bastidores para tentar se colocar no lugar certo. Ele sabe que a política é a arte da dissimulação e que, em um momento de intensa disputa, ele deve ter sempre na manga argumentos que justifiquem uma atitude nova ou, até mesmo, o retorno a uma postura anterior, sem que nenhum traço de incoerência fique evidente. Coronelino não tem nenhum interesse em filosofia mas, mesmo ignorando quem foi Voltaire, age como o perfeito exemplo de que “a política tem a sua fonte na perversidade e não na grandeza do espírito humano”.
Que bom, para o Brasil, que Coronelino não passa de um personagem fictício!