Depois dos eventos e perdas que tanto mudaram a minha vida nos últimos meses, prometi a mim mesmo que não passaria nenhum feriado prolongado em casa neste ano. Que aproveitaria toda e qualquer oportunidade que tivesse para pegar a estrada ou, quando possível, o caminho para o aeroporto. E assim tenho feito. Muitos podem pensar que essa atitude é uma tentativa de fuga da minha própria realidade. Uma maneira de escapar dos ambientes que me trazem tantas lembranças, tantas recordações e, consequentemente, tantas lágrimas. Não é! Na verdade, viajar é a melhor forma que conheço para que eu possa me encontrar comigo. No meu ponto de vista, as estradas, assim como os caminhos da vida, existem para que sejam percorridas. Não há como crescer sem passar por elas. Ao longo de cada estrada, lugares anseiam pelo momento em que serão descobertos. Descobertos não apenas para constarem nos mapas, nos livros e nos guias de viagem. Cada lugar quer ser visitado pela primeira vez, quer se sentir novo aos olhos de cada visitante. Para o visitante, a experiência única de se descobrir um lugar, é sempre uma das mais poderosas chaves para que ele também possa se descobrir como indivíduo. Somente quando se viaja, a palavra indivíduo alcança seu significado primário. Só quando se depara com o novo, quando se está aberto a entender o que é tão natural para o outro, quando se passa por uma rua com disposição para registrar mentalmente cada contorno, cada moldura, cada perfume e cada sensação, somente assim torna-se possível a compreensão de que cada um de nós é, essencialmente, um ser que se distingue dos demais.
Buscando na memória, muito mais marcantes do que o destino em si, sempre foram as emoções e reações que tive quando lá cheguei. Lembro-me do silêncio alentador às margens de rios e lagos, da força mágica de belas e caudalosas quedas d’água, da serenidade no maravilhoso reflexo do sol visto em diferentes mares, da insegurança boa por me sentir no meio de uma multidão de pessoas atraídas pelo mesmo objetivo, do deslumbramento diante de monumentos que sempre sonhei conhecer, da consciência da minha completa insignificância diante de cadeias de montanhas majestosas, dos museus, parques, ruelas e pequenas cidades que me levaram a épocas e mundos distantes, onde passei a me sentir novamente criança, habitante da idade média, vítima de injustiças seculares, refém de ditadores genocidas, explorador de um novo mundo, ou, simplesmente, eu mesmo agora com uma consciência muito maior do quanto é vasto e diverso esse nosso planeta. Não importa o destino, não importa o lugar, não importa o meio de transporte. O que realmente importa é o quanto essa experiência me modificou. O quanto ela me fez crescer.
A viagem, assim como a vida, não se resume à chegada, ao objetivo final. A viagem, assim como a vida, oferece crescimento a cada passo do caminho, a cada estrada marginal, a cada ribeirão afluente, a cada casebre no meio do nada. Não se pode conhecer um lugar pelos livros, pelas fotos e pelos filmes. Para realmente se conhecer, só estando lá, só indo ver. Os livros podem contar histórias lindas e inspiradoras. Mas nenhuma história deveria ser mais inspiradora do que aquela que cada um escreve por si próprio. As fotos podem mostrar lugares belíssimos, mas a paz ou a inquietude que um local transmite, nenhuma fotografia é capaz de reproduzir. Um filme pode captar ângulos extraordinários, mas os perfumes que acompanham aquelas imagens só podem ser guardados por aqueles que os degustam, que os entendem. Pode-se conhecer a história de um lugar sem conhecê-lo. Mas não se pode saborear sua alma. Pode-se tentar entender a cultura de um povo sem transpor suas fronteiras. Mas perde-se a essência inerente que o sentir-se em casa impõe a todo cidadão. Pode-se repetir em qualquer lugar as receitas das iguarias de países remotos e distantes. Mas o sabor delas será sempre único quando provadas junto aos seus canteiros, às suas raízes, à sua gente. E a cada mudança da luz, da projeção das sombras, da intensidade dos ventos, e, principalmente, do momento interior de cada um, um mesmo destino pode ser visto, pela mesma pessoa, de infinitas formas. Por isso, não é preciso que se evitem lugares já conhecidos. Afinal, eles jamais serão os mesmos.
O que mais pode guardar em si tantas nuances, tantas alternativas, tantas possibilidades? Apenas a própria vida! Vida que, em suma, nada mais é do que a maior e mais importante das viagens a serem cumpridas. Por isso, viajar não é uma atitude, é um estado de espírito. Não é um gasto supérfluo ou desnecessário, é alimento, é combustível para a sanidade mental, intelectual e espiritual de cada um. Para se viajar não é preciso conhecer previamente seu destino, mas é necessário se preparar para jamais incorrer no erro mortal de julgá-lo antecipadamente. Estar pronto para despir-se de toda a prepotência de se acreditar dono exclusivo das virtudes, da cultura mais correta, da linha de conduta mais adequada. Enfim, viajar é, pra mim, a melhor maneira de se perceber o quão distante o homem está de se sentir, pelo menos, próximo das suas realizações como ser humano e como indivíduo. Viajar é compreender que, por mais que se descubram novos destinos, sempre existirão outros. Desta forma, segue incessante a caminhada de cada um em busca do objetivo maior da sua viagem individual: o encontro consigo mesmo!