A poltrona vazia. O lugar desocupado na mesa. A ausência do perfume de um prato especial sendo preparado. O livro de orações fechado. As palavras cruzadas incompletas. A cama intacta. A tela do computador fria e a caixa de emails transbordando de mensagens não lidas. Os telefones desligados. A chave do carro guardada. A ausência de novas orquídeas. A caixa de remédios vazia. Os cheiros que não são mais os mesmos. Os sons que ecoam no silêncio. A música que deixou de ser tocada. Tanta coisa à minha volta me lembra que eles aqui não mais estão. E tantas lembranças vivas ainda hoje me fazem suspirar: será mesmo verdade?
Ao tocar aquela campainha, ainda ouço uma voz firme e alegre me dizendo: “não tem chave, não entra”. A chave, que eu sempre trazia comigo, propositalmente não era usada pois preferia ouvir aquela voz doce do meu pai todas as vezes que chegava. Preferia vê-lo abrir a porta pra mim com aquele sorriso aberto e o olhar brilhando. Era sempre a primeira pessoa em cujos braços eu mergulhava. E beijava-lhe a face e lhe perguntava pela mamãe. Na maioria das vezes, ela estava lendo no sofá do quarto de TV, ou apenas sentada nesse mesmo sofá, assistindo a um dos seus programas preferidos. Adorava esportes, principalmente vôlei e futebol, desde que o Cruzeiro estivesse jogando. Também não perdia um CSI Miami ou um bom filme que estivesse passando. Sentávamos todos por ali mesmo e eu, muitas vezes, de mãos dadas com ela. Quando os netos estavam juntos, a atenção era sempre toda deles. E seus olhos brilhavam de orgulho a cada nova palavra pronunciada, a cada pequeno sinal de crescimento e amadurecimento. Quando as crianças não estavam, passávamos horas conversando sobre todos os assuntos. Papos corriqueiros que hoje ganham uma importância inalcançável. Conversas triviais ou profundas, muitas vezes acompanhadas de um bom vinho e de muitos brindes. Quisera eu poder discutir sobre todos aqueles assuntos novamente. Que assuntos? Isso é o que menos importa. Mas imagino que, se fosse hoje, falaríamos mais sobre a vida. Sobre o quanto ela é especial mas o quanto ela é breve. O quanto ela vale a pena mas o quanto ela nos cobra em crescimento, em redenção, em revelação ao longo da nossa caminhada. O quanto ela nos ensina, mesmo que a gente se recuse a aprender. E o quanto ela é capaz de nos mostrar como pode ser tão profundamente dolorido, de um momento para o outro, o som de uma campainha sem resposta…