Dilma enfrenta hoje seu maior dilema. Para entendê-lo, entretanto, é preciso que se busque conhecer quem é Dilma Rousseff. Até mesmo essa simples indagação possui nuances de sobra. Naturalmente, cada brasileiro tem direito de vê-la de diversas formas, sob diversos aspectos. Como presidente, muitos podem questionar a sua competência, a sua capacidade de comunicação, a sua capacidade de negociação, a sua habilidade em resolver problemas e disputas internas, a sua forma de gerir e administrar um país tão complexo quanto o Brasil. Outros tantos podem exaltar suas qualidades (que devem existir com certeza), seja na sua antipatia indisfarçável pelo congresso nacional, seja na sua lealdade aos seus companheiros mais próximos, ou seja em aspectos que talvez só quem realmente conviva com ela poderá enumerar.
Mas eu me refiro à pessoa, ao ser humano chamado Dilma Rousseff. As plásticas, as cirurgias que lhe permitiram enxergar sem os óculos, o cabelo e as roupas que lhe deram um ar mais elegante e austero, tudo foi feito para compor um personagem, uma imagem perfeita de uma técnica competente e assertiva. As feições duras, disseram, eram herança dos anos de sofrimento durante a ditadura militar, quando foi perseguida e torturada. Foram-lhe ministradas aulas de oratória, a começar do conselho básico de sempre iniciar uma resposta com introduções do tipo: “no que se refere a isso, eu gostaria de dizer que…”. Dessa forma, segundos preciosos são sempre ganhos até que as idéias possam se ordenar melhor (inevitavelmente fico me perguntando como seriam suas respostas caso ela não utilizasse esse artifício). Também foram-lhe ministradas aulas de etiqueta, não apenas para que ela aprendesse a se comportar em eventos de gala, mas também para que pudesse passar uma imagem simpática aos seus eleitores, com sorrisos mais frequentes e espontâneos, carinhos discretos em crianças pobres, e abraços efusivos em seus companheiros de partido. Tentaram lhe ensinar línguas estrangeiras, a começar do inglês básico, mas essa ideia foi abortada logo depois da primeira hora de aula. Em virtude disso, ressaltaram a sua brasilidade, o seu orgulho do seu próprio país e de sua língua, onde quer que estivesse. Aulas de tolerância também lhe foram apresentadas, quando falsos repórteres lhe faziam perguntas hipotéticas tais como: a senhora assinou? A senhora aprovou? A senhora sabe de alguma coisa? Essa iniciativa também foi abortada antes que alguém se ferisse e preferiram imputar à sua personalidade a característica de uma pessoa literalmente impaciente com a corrupção, com a injustiça e com a incompetência. As suas entrevistas ao vivo sempre foram uma preocupação maior, tanto que atores do Teatro do Improviso chegaram a ser contratados para tentar lhe mostrar que uma resposta deveria sempre estar conectada com a pergunta feita. Mas, depois que diversos atores tiveram sérios problemas de autoestima por não mais se sentirem engraçados, as aulas foram canceladas. A solução foi reduzir o número de entrevistas à metade desde então. Os discursos, entretanto, jamais foram um problema. Escritos sempre pelo marqueteiro, a única dificuldade se limitava a substituir as palavras que ela não conhecia. Nada muito significativo tanto que, cento e cinquenta substituições depois, lá estava ela sempre pronta para proferi-lo com relativa desenvoltura em frente às câmeras de televisão. E foi do marqueteiro também um conselho que já provou ter sido muito útil: em situações de pânico, finja estar passando mal. Isso sempre funciona.
Foram meses e meses de preparação de uma imagem. Períodos desgastantes para a pobre Dilma. Mas ela se esmerou tanto que foi eleita e reeleita, a despeito da situação cada vez mais caótica no país. A imagem perfeita da gerente, da gestora firme, da presidente técnica e competente provou ser um enorme sucesso, pelo menos até agora. O problema é que Dilma anda cansada de ser incompreendida e vaiada. Embora abraçada pelo povo, ela se sente rejeitada pela elite brasileira. As madames batem panela nas suas varandas gourmet. Nos estádios, os torcedores a ofendem de seus camarotes gourmet. Os caminhoneiros protestam e param o país com seus caminhões gourmet. E os metalúrgicos a hostilizam diariamente em frente às suas indústrias gourmet. Quanta injustiça e quanto ódio vindos da elite!
Quatro anos depois, Dilma encontra-se agora frente ao seu maior dilema: continua por mais quatro anos representando o papel criado especialmente para ela ou se liberta de uma vez? Mantém a postura firme de quem aparenta saber qual o caminho a ser seguido ou volta a ser a pessoa inexpressiva que sempre foi? Qual será o caminho de Dilma? A prisão de um personagem ou a sua libertação definitiva? Claro que essa decisão cabe à ela, mas acho que seria a hora da própria Dilma optar por voltar a ser aquela mulher simples, despreparada, mas autêntica que já foi um dia. Aquela senhora ingênua que, uma vez questionada por seu amigo presidente sobre o que acharia de se tornar a mulher mais importante da história de sua pátria amada, respondeu prontamente: Cuba ou Venezuela?