Hoje, mais um ano está chegando ao fim. E com ele, à meia-noite, alteram-se todas as perspectivas. Para o sol, entretanto, este será mais um ciclo diário como qualquer outro. Ele vai se pôr hoje e renascer amanhã, como sempre fez. Não haverá auroras boreais iluminando o céu, nem chuvas de meteoros riscando a noite escura. As estrelas não brilharão nem mais nem menos do que ontem, e a lua cultivará o mesmo silêncio discreto que lhe caracteriza. Aqui na Terra, as ondas do mar chegarão às praias com a mesma intensidade. As montanhas, o mar e as planícies irão limitar hoje os mesmos horizontes. As florestas seguirão emitindo os mesmos sons e abrigando a mesma vida. A própria Natureza se recusa a comemorar a chegada deste dia que, para o homem, é tão significativo.
Para o homem, afinal, a noite de hoje é um recomeço. Hoje, ele tem a oportunidade de iniciar um novo ciclo, uma nova esperança, uma nova vida. Hoje, ele pode dizer que aprendeu muito com os erros do ano que se encerra e que jamais voltará a cometê-los no ano vindouro. Hoje, ele pode finalmente se livrar das mágoas, dos rancores, dos sentimentos de culpa que, como algemas destravadas, o libertarão à meia-noite. Hoje, ele tem a capacidade de perdoar aos outros e a si mesmo. Hoje, ele tem novamente consciência de que os seus objetivos, os seus anseios e os seus sonhos podem e merecem ser renovados. Hoje, finalmente, ele entende que a felicidade nada mais é do que uma escolha que cabe exclusivamente a ele!
Como pode, então, a Natureza considerar a noite de hoje uma outra qualquer? Como pode ignorar toda a vibração e energia que transbordam nesse momento? Como pode tratar com tanta displicência um instante mágico, transcendente, quase etéreo? Se a Natureza é a mais relevante prova da existência divina, não deveria ser ela a primeira a mostrar toda a importância deste dia? Não caberia a ela, como porta voz do Criador, fazer desta data uma celebração ao renascimento de cada ser vivo do planeta? Não estaria em suas mãos a responsabilidade por tornar este dia verdadeiramente único em todos os sentidos?
E a Natureza, incrédula diante de tamanha limitação mas atenta ao questionamento alheio, responde ao homem:
– Olhe para o sol mais pausadamente e verá que ele nunca é, em uma manhã, exatamente o mesmo que se pôs na noite anterior. Seus raios, seu calor, seu brilho, oscilam poeticamente a cada dia.
– Aprecie de verdade a lua e as estrelas e também verá que a intensidade da luz que emanam não se repete e não se contém. Pequenas diferenças cintilantes são perceptíveis a cada noite.
– Acompanhe o movimento dos oceanos e verá que as correntes marítimas levam, a cada maré, um tipo diferente de vida ao litoral. E, a cada onda, a areia do fundo se acomoda de forma inédita, mudando constantemente a topografia das praias.
– Respire o ar de uma floresta e irá notar que os perfumes mudam com o passar das horas. Também mudam os sons, as texturas e os habitantes que se transformam a cada novo raio de sol. E a cada rajada de vento, uma orquestra diferente nos brinda com sinfonias recém compostas.
– Contemple o encontro entre Terra e céu e verá que um entardecer nunca é igual ao outro. As molduras, as nuvens e as cores dão a cada horizonte nuances jamais vistas. Pássaros de diferentes tonalidades e vozes são as pinceladas finais de cada quadro em movimento.
– Tudo isso acontece porque cada dia é absolutamente único. Não existe nenhum dia igual ao outro para mim, assim como não deveria existir para você, homem.
– Por que esperar um ano inteiro para poder renovar suas esperanças, seus sonhos e seus objetivos? Por que viver durante tanto tempo preso a mágoas e remorsos? Por que não começar do zero a cada dia, com vontade de viver e disposição renovadas? Por que não se perdoar diariamente? Por que esperar meses apenas para se permitir dizer que a vida vale a pena? Por que não aprender imediatamente com cada erro cometido? Por que postergar um segundo que seja a sua decisão de ser feliz? Por que não viver cada dia como se todos fossem o primeiro dia de um novo ano?
– Você não foi capaz de compreender que eu jamais me recusaria a comemorar o evento de hoje. Na verdade, eu me recuso a deixar de celebrar cada dia, cada noite e cada manhã, da forma mais sublime possível: vivendo cada momento em absoluta plenitude!
– Por isso, não desejo a você, homem, um feliz ano novo hoje. Desejo-lhe sim, hoje e todos os dias, um abençoado dia novo! Um dia pleno, bastante em si mesmo, de paz e de profunda harmonia. Esta é a minha única fórmula para viver. E só vivendo, você poderá realmente absorvê-la por inteiro!
– Feliz Dia Novo! Felizes trezentos e sessenta e cinco novos dias neste ano que se inicia!