Desembarque…

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Portas automáticas comandam o desfile de semblantes e expectativas. Corpos e feições tornam-se irrelevantes, à medida em que se aproximam. A cada abertura, meu olhar se fixa no vazio mais distante, em uma esquina que me lembra o horizonte prestes a permitir a aurora. O sol reluta em nascer.

“Tem quanto tempo que ele não passa por aqui? Uma? Duas horas? Vou chamá-lo. Está quase na hora do parque fechar.”

O casal de idosos retém o fluxo de passos apressados. Ansiosa pela linha de chegada, uma senhora vestida de impaciência os ultrapassa. A jovem de mochila nas costas decide acompanhá-los. A empatia agradece. Os sorrisos são nítidos, apesar das máscaras. Quero sorrir também.

“Não o achei em lugar algum. A piscina de ondas está vazia, e os toboáguas estão fechados. Não, ainda não procurei nos banheiros. Os salva-vidas disseram alguma coisa? Calma, eu prometo que vou encontrá-lo.”

A ansiedade aumenta. Foram-se os primeiros 30 minutos desde o pouso do avião. Há outro a caminho, vindo do mesmo aeroporto. Talvez ele ainda esteja no ar. O ano inteiro de espera aumenta a aflição das últimas horas. Malditos cancelamentos. Vazios, os corredores aguardam os olhares inquietos que – em breve – farão companhia aos meus.

“Nada? Ele não voltou pro hotel. Ninguém o viu? Não é possível que um parque deste tamanho não tenha câmeras espalhadas. Sim, eu sei que estão procurando, mas eu preciso abraçá-lo. Respira, vai dar tudo certo.”

O som ritmado das rodinhas sobre as juntas do piso volta a dominar o ambiente. O abre-e-fecha das portas também recomeça, assim como o bailar dos meus olhos, em uma frenética troca de alvos. Outros 20 minutos do segundo pouso se foram, e nada do sol despontar. Ao meu lado, outros olhos padecem de angústia semelhante, inconformados com o breu.

“O parque fechou há quase uma hora. Não é possível que ninguém o tenha visto. Meu Deus, não permita que nada de mal tenha acontecido a ele. Vou voltar naquele tobogã mais distante. Ele tem que estar em algum lugar.”

O terceiro voo aterrissa. Há de ser o certo desta vez. As portas automáticas seguem trabalhando, ainda sem os indícios da luz. O reencontro de um neto com seus avós me toca. Quero me emocionar em outro abraço. De repente, a porta se abre e sou ofuscado por um clarão. Lá vem ele, sorridente, mais lindo do que nunca. O short de banho, ainda úmido, deixa o piso respingado. Fecho os olhos e, finalmente, um homem de terno me envolve em seus braços.

“Papai, eu fui o último a descer desta vez. Não tinha mais ninguém. Você precisava ver como foi legal. Que foi, papai? Por que você tá chorando?”

– É de alegria, meu filho. É só de alegria.

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