Quimera…

20211014_061302

“O amor é a compensação da morte” – Arthur Schopenhauer

Meu filho caçula aprendeu a conviver com ausências desde cedo. Dos 4 aos 5 anos, viu-se obrigado a dar adeus à tia, à avó e ao avô que lhe eram mais próximos. De repente, “céu”, “anjos” e “estrelinhas” ganharam significados menos lúdicos em sua mente em formação. “Nunca mais” também.

Uma noite, aos 6 anos de idade, ele me disse:

– Pai, constrói um robô igual a você pra mim?

Ele achava que eu era capaz de construir qualquer coisa, desde uma casa ou um prédio até uma nave espacial.

– Por quê, meu amorzinho? – perguntei.
– Porque eu vou ficar com muita saudade depois que você morrer. Mas, com o robô, eu vou ter sempre você perto de mim.

A emoção não me permitiu respondê-lo naquele momento. Lamentei não saber construir robôs. Lamentei não ter construído robôs iguais aos pais que acabara de perder. Entendi, finalmente, o “nunca mais” que tanto o atormentava. Dei-lhe um beijo no rosto e deitei-me ao seu lado.

Dizem que dormir é um ensaio para a morte. Morri. Foram-se as mãos, ficaram as faces que acariciei. Foi-se o olhar, ficaram os olhos que contemplei. Foram-se os abraços, ficaram os colos que acalentei. Foi-se a dor, ficaram as lágrimas que derramei. Foi-se o coração, ficaram as batidas que reverberei. Foi-se o sorriso, ficaram aqueles que provoquei. Fui-me.

Abri os olhos, como quem desperta para outra vida. Olhei-me no espelho, não me vi. Pouco importava, alguém haveria de me reconhecer em outras feições. Meu corpo leve e sem bagagem parecia flutuar. Nada ouvia, e a tudo estava atento. Nada sabia, e jamais compreendera tanto. Nada sentia, e a plenitude me abraçava. Plenitude que robô algum seria capaz de experimentar. Acordei.

Ao meu lado, um suspiro me sobressaltou. Seu semblante sereno parecia sorrir.

Durma, meu filho. No sono, talvez você entenda que meu legado é não lhe deixar legados. Palavras ditas ou escritas ficarão, mas só se você se dispuser a buscá-las. Caminhos percorridos serão lembrados, mas não lhe caberá segui-los. Faça-os seus. Memórias se dissiparão ao ponto de quase se restringirem às fotos na parede. Não se culpe, não haverá remorsos. O que tiver que ser abordado, falemos hoje. Não há depois nem amanhãs, somente o agora. A finitude existe, meu amor. Dê graças a ela.

Meu robô, querido, caberá a você construir. As instruções estarão nos sonhos…

Esta entrada foi publicada em Sem categoria. Adicione o link permanente aos seus favoritos.

Deixe um comentário