Filosofando na quarentena…

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Se tivesse que escolher uma disciplina para uma pesquisa neste momento histórico que estamos vivendo, certamente optaria por alguma vertente da filosofia. A pandemia tem provocado tantos conflitos éticos, tantos embates de posturas que, em breve, centenas de teses de mestrado e doutorado ainda hão de ser desenvolvidas tendo como pano de fundo o ano de 2020.

Poucas vezes as inúmeras faces do comportamento humano estiveram tão expostas. Poucas vezes os filtros sociais de cada um foram tão pouco utilizados. E essa exposição tem aumentado à medida em que as inseguranças e incertezas se multiplicam. Aumentam também à medida em que o comportamento coletivo deixa suas máscaras de lado. É um círculo vicioso no qual até os mais comedidos abandonam a ponderação, indignados ante à disseminada falta de bom senso. Assim, aqueles já desprovidos de limites comportamentais mais rígidos se sentem ainda mais à vontade para escancarar a todos os seus conceitos, doa a quem doer.

Dizem que os tempos de guerra desnudam o pior do ser humano por alterar completamente o que chamamos de normalidade. E, para a grande maioria de nós, esta é a primeira vez que nos deparamos com um cenário tão perturbador da nossa rotina. O resultado de tudo isso é muito diverso, mas é nítido o aumento da contundência das opiniões, a desenvoltura com a qual os rancores até então oprimidos se manifestam, e a facilidade com que as verdades individuais são expostas, mesmo aquelas confrontadas por evidências factuais incontestáveis.

E não me refiro aqui apenas às dicotomias com as quais já estávamos acostumados. Se engana quem pensa que as atuais discussões diárias se limitam a vidas x economia, isolamento x liberdade, metodologia científica x urgências médicas, e outras tantas bem menos dignas de menção. Dentro de cada polêmica há uma profusão de nuances capaz de acirrar discórdias mesmo entre aqueles cujas linhas de conduta são majoritariamente convergentes. É com foco nessas pequenas nuances que continuo a presente reflexão. Afinal, basta de falar sobre gente sem noção.

Como eu disse, há enormes possibilidades para estudos mais aprofundados mas não há dúvidas de que boa parte das questões levantadas atualmente está atrelada às éticas utilitarista e universalista inerentes a cada um. Explanando de forma bem superficial, a primeira se caracteriza pela busca do bem-estar coletivo e a segunda pela obediência a uma moral universal que não admite contradições. O filósofo Immanuel Kant usou a mentira para exemplificar o conceito em sua obra: sendo a mentira moralmente inaceitável, para um universalista a verdade deve ser dita independentemente de suas consequências. Um utilitarista, entretanto, mesmo considerando o assassinato um grave erro moral, não hesitaria em atirar em um terrorista prestes a detonar uma bomba, pois o bem-estar da maioria se sobrepõe aos seus valores morais.

O ser humano é muito complexo e creio que poucos se identifiquem exclusivamente com um dos modelos. Ao contrário, entendo sermos tanto utilitaristas quanto universalistas, dependendo das circunstâncias. E é certo que as circunstâncias variam bastante de pessoa para pessoa. Está exatamente nesse equilíbrio – ou na ausência dele – a fonte de boa parte das discussões atuais e das que virão muito em breve.

Por isso, antes de se irritar com a opinião daquele seu amigo que, até aqui, sempre pensou de forma similar à sua, lembre-se de que não há necessariamente certo e errado nesta guerra que enfrentamos. E ainda haverá muitas oscilações enquanto a situação se prolongar. É inevitável. Também é inevitável que, cedo ou tarde, o universalismo vigente hoje deixe de ser predominante. Que todos nós estejamos preparados para as mudanças que virão e para as decisões que deveremos tomar. Mais importante ainda seria que as autoridades competentes do país, dos estados e dos municípios estivessem atentas e amparassem suas ações em critérios técnicos, não em interesses mesquinhos, achismos e atitudes populistas. Se é pra filosofar, um pouco de utopia agora até que cai muito bem!

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