Uma viagem de cinquenta anos…

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Nunca me imaginei com cinquenta anos. Nada a ver com um eventual receio de que jamais viesse a alcançar tal idade, muito pelo contrário. Na verdade, também nunca havia me imaginado com quarenta, ou com trinta. Ainda criança, lembro-me apenas, quem sabe inspirado por Peter Pan, de não querer crescer. Lembro-me de querer prolongar ao máximo o mundo de fantasia em que vivia, de jamais permitir que se perdesse o encanto das histórias mágicas que minha avó me contava todas as noites, de não deixar que meus irmãos menores permanecessem sozinhos na minha própria Terra do Nunca, inevitavelmente mais distante a cada dia.

Mais tarde, quando alcancei a adolescência, lembro-me, ao contrário, de querer chegar logo aos dezoito, idade que me parecia absolutamente longínqua e cuja aura de liberdade era tão sedutora, que nem mesmo as inseparáveis responsabilidades inerentes à maioridade me amedrontavam. Claro, eu tinha, àquela altura, pouca ou nenhuma noção de quais responsabilidades viria a assumir. Tenho certeza de que, se alguma noção eu tivesse, minha pressa teria desaparecido por completo, e os sonhos nos quais eu voltava à Terra do Nunca teriam sido muito mais recorrentes.

Mesmo não idealizando meu futuro, sempre tive, naturalmente, diversas referências sobre as quais acabei moldando as minhas quase inconscientes expectativas para meus anos, diria eu, mais maduros: meu padrinho, meus primos mais velhos e, principalmente, meu pai. Curioso lembrar que meu pai, embora fosse e ainda seja o modelo de ser humano que sempre almejei me tornar, acabou comemorando os seus cinquenta anos de uma forma absolutamente emblemática, mas que jamais pretendi replicar. Sua comemoração (e minha, evidentemente) foi ter sobrevivido ao seu primeiro infarto, ocorrido alguns meses antes do seu aniversário. A partir daquela idade, portanto, passei a vê-lo, pela primeira vez, como alguém que poderia ir embora a qualquer instante. Percebi que meu herói imbatível podia ser ferido. E entendi que seu coração, mesmo sendo o maior que já conheci, não era capaz de conter todo o amor que guardava. Aos cinquenta, o coração do meu pai estava irremediavelmente aberto. Talvez por isso, foi também a partir dos cinquenta que ele passou a tocar, de maneira ainda mais contundente e definitiva, a vida e a alma de quem dele se aproximasse. E essa é uma capacidade que sei que não possuo hoje, e que talvez jamais venha a adquirir, pelo menos não com a doçura que marcava sua voz, seu sorriso e seu olhar.

Chego aos cinquenta, portanto, nesta descabida comparação com meu ídolo mor, com meu coração físico em condições bem melhores. Entretanto, em uma comparação quase injusta, chego aos cinquenta ainda muito longe da serenidade, do bom senso e da luz que o coração do meu pai tão naturalmente irradiava. Coração cujos batimentos, ainda hoje, ditam o ritmo dos meus.

Chego aos cinquenta também muito distante da sabedoria que imaginei possuir a esta altura. Poucas das minhas próprias perguntas foram realmente respondidas, e os meus questionamentos sem respostas aumentam a cada instante. Com o tempo, passei a questionar até mesmo as minhas mais arraigadas certezas de outrora. Por isso, cada vez fico mais consciente do quão medíocre é o meu conhecimento sobre o mundo e sobre a vida. Se, por um lado, aprendi a gostar de mim mesmo, a me aceitar, e a me conhecer um pouco melhor, por outro ainda me admira a quase completa incapacidade de manutenção das minhas próprias verdades absolutas. A cada dia possuo menos verdades do tipo. Se meu passado deixou, há tempos, de assombrar o meu presente, este ainda não se mostrou capaz de, sozinho, dominar inteiramente a cena diária como deveria. Se, finalmente, passei a tentar analisar qualquer assunto de um ângulo bem mais distante, ainda não sei definir a partir de qual ponto do zoom começo a perder a minha capacidade de discernimento. Se consegui deixar de remoer indefinidamente meus incontáveis erros, sei que deveria, pelo menos, reduzir muito mais a frequência com a qual os cometo. E, se desenvolvi a capacidade de perdoar aos outros com relativa facilidade, ainda não posso dizer o mesmo quando a pessoa que deve ser perdoada sou eu.

Não há como negar, ainda tenho um caminho muito longo a percorrer. Mas, por outro lado, completo com imensa alegria o meu primeiro cinquentenário (e também com otimismo, como se nota). Recebi, nestes cinquenta anos, muito mais do que poderia desejar. Começando pelo privilégio de ter sido criado por pais que sempre valorizaram as pessoas pelo que elas são e não pelo que elas têm, e que formaram uma família cujos valores de integridade, de tolerância, de respeito e de amor moldaram homens e serviram de exemplo a todos que dela se aproximaram. Valores que certamente ajudaram a atrair uma luz em forma de mulher, que deu sentido à minha vida, e com a qual pude construir, dentro dos mesmos princípios, a minha própria família. Com filhos que, desde pequenos, demonstraram uma índole bem formada, personalidades bem definidas, e comportamentos repletos de ética, determinação, bondade e um impressionante senso de justiça.

Ao longo dos meus cinquenta anos, só colecionei amigos, a começar dos meus irmãos mais novos com quem sempre aprendi muito mais do que pude ensinar. Exemplos de retidão, de caráter, de disponibilidade, de força e de honestidade, que construíram famílias igualmente iluminadas e cujas condutas inspiram incontáveis pessoas mundo afora. Assim como são inspiradoras cada uma das amizades que tenho, desde as mais antigas até as mais recentes. Verdadeiros irmãos e irmãs que a vida me proporcionou, e cujos exemplos de generosidade, de superação, de garra e de persistência são, para mim, uma constante fonte de orientação na escolha dos meus próprios caminhos.

Talvez estivesse nos meus planos chegar aos cinquenta com maior tranquilidade financeira, podendo trabalhar menos, sem dificuldades ou desafios para manter minha empresa empregando muita gente. Certamente estava nos meus sonhos poder comemorar esta data ao lado das duas pessoas mais iluminadas que cruzaram o meu caminho. Nem sempre as coisas acontecem da maneira que a gente gostaria, mas são tantas, inúmeras e incontáveis bênçãos pelas quais sou grato, que aqui não cabem queixas. Sou grato pelos meus pais, pelos meus irmãos, pela minha esposa, pelos meus filhos e pela minha família. Sou grato pela minha casa e pelos meus vizinhos. Sou grato pelos meus inúmeros amigos, que fazem a minha vida ter mais significado a cada novo encontro. Sou grato pelo meu trabalho, pela minha empresa e pela seriedade com a qual ambos são reconhecidos. Sou grato pelos desafios que enfrentei, que enfrento e que, de uma forma ou de outra, sempre são superados. Sou grato pelas minhas conquistas e pelas minhas quedas, que sempre mostraram a força que possuo para me reerguer. Sou grato pelas minhas escolhas que, certas ou erradas, são, invariavelmente, oportunidades únicas de crescimento. Sou grato pelas viagens que tenho a chance de fazer e que me mantêm consciente do quão insignificante eu sou diante da imensidão do planeta. Mas sou grato, especialmente, pelas viagens que faço a cada dia, todos os dias, e que me permitem crescer sempre um pouquinho mais como homem, como pai, como esposo, como amigo, como profissional, enfim, como alma à procura do seu caminho evolutivo, e que busca (na maioria das vezes sem sucesso) aproveitar cada minuto da viagem como se fosse o último.

Por fim, encerro esta minha autoanálise da meia-idade com uma citação que, dentre todas aquelas atribuídas a Buda, foi sempre a que mais me marcou: “No final, apenas três coisas importam: o quanto você amou, o quão gentilmente você viveu e o quão graciosamente você deixou ir o que não era realmente seu”. Nestes meus primeiros cinquenta anos, por mais que eu tenha amado, sei que ainda foi muito pouco diante do amor que recebi. Por mais que eu tenha procurado ser gentil, ainda sonho ser capaz de tocar verdadeiramente cada um dos corações que encontrar. Por mais que tenha tido serenidade em aceitar minhas perdas, é ainda muito difícil compreender que nada na vida é realmente meu. Que tudo finda, termina, completa seu ciclo, inclusive a própria vida. Eu me sentirei recompensado se, ao final do meu ciclo, tiver chegado perto de alcançar essas metas aparentemente tão simples. E estou certo de que, então, poderei ascender em paz ao patamar seguinte, se puder perceber de verdade que meu tempo por aqui não foi desperdiçado. Perceber que amei, que sofri, que confortei, que sorri, que chorei, que ajudei, que aprendi, que ensinei, que ouvi, que calei, que debati, que ganhei, que perdi, que me emocionei, que admirei, que caí, que me levantei, que agradeci, que errei, que amadureci, enfim, que vivi intensamente os anos que Deus me concedeu. E, ao lembrar dos meus cinquenta anos, que eu possa chegar à conclusão de que muito cresci desde então e, com um derradeiro sorriso nos lábios, agradecer se uma única alma tiver se inspirado na mais relevante de todas as minhas viagens: a minha vida!

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