Um dia, há um ano…

20230119_133752

Não me lembro do que vi quando abri meus olhos pela primeira vez. Não sei qual foi a minha primeira imagem. Não me lembro qual foi o primeiro som que ouvi. De quem foi a primeira voz. Não me lembro do que primeiro me fez sorrir, ou me fez chorar. Mesmo agora, depois de tantos anos, não poderia apontar qual foi a maior alegria já vivenciada, qual a maior frustração, qual o maior susto. Não saberia dizer qual dos nascimentos dos meus filhos me trouxe maior felicidade, ou qual dificuldade me causou as maiores preocupações. Ao longo de uma vida, até mesmo os momentos mais marcantes dificilmente conseguem ser mensurados.

Posso afirmar, entretanto, que, há exatamente um ano, vivi o momento mais triste de toda a minha vida. Apenas três meses depois de me despedir daquela que fez do seu amor o alicerce para a felicidade de toda uma família, um telefonema materializava o medo de anos a fio. Naquele telefonema, o instante em que se percebe a própria vida em toda a sua brevidade. O instante em que se percebe que o abraço esperado não iria acontecer, que o beijo não teria reciprocidade, que as lágrimas iriam rolar em apenas um dos rostos. O instante em que se percebe que palavras e sorrisos ficaram apenas no meu coração, que a doçura de um olhar passara a ser a minha mais preciosa lembrança, que chegara a hora da melhor pessoa deste mundo iluminar planos bem mais elevados.

Eu não estava por perto, pai, e sei muito bem o que você teria me dito se eu estivesse com você naquele momento. Sei o quanto você tentou ficar, o quanto tentou atender ao pedido que lhe fiz naquela noite em que nossos olhos transbordavam lágrimas, e nossas mãos permaneceram entrelaçadas por um tempo ainda maior que o habitual. Eu não tinha o direito de lhe pedir algo que não estava ao seu alcance, pai. Mas, para mim, você sempre esteve tão acima das leis que regem o universo, que pensei que pudesse ser capaz de controlar sua própria hora de partir. Perdoe-me por ter lhe feito aquele pedido, pai. Perdoe-me também por não ter estado ao seu lado no momento em que você percebeu de vez que não iria conseguir me atender. Perdoe-me por não ter lhe dado a chance de me dizer o quanto você tentou. Mas eu sempre soube, pai. Perdoe-me por não ter conseguido voltar logo, como você tão carinhosamente me pediu. Perdoe-me por não ter lhe dado os últimos beijos e abraços, com a exata consciência do significado que eles teriam para você, e também para mim. Perdoe-me por não ter percebido o quão completa já estava a sua missão aqui ao nosso lado.

Hoje, pai, um ano depois do dia mais triste da minha vida, terei você na minha mente mais ainda do que em todos os outros dias. Sua doçura, sua alegria, sua serenidade, sua paz estarão ainda mais presentes. Farei de suas palavras, ditas ou escritas, minhas próprias palavras no dia de hoje. Meu amor por você, alçado há tempos a uma condição inalcançável de veneração, estará ainda mais nitidamente estampado no meu olhar. E o dia 19 de janeiro será muito mais do que apenas uma data triste a ser relembrada. Muito mais também do que uma data a ser celebrada, afinal, ela marcou o término de uma jornada inspiradora, iluminada, e que, por tanto tempo, tocou e transformou a vida de tantas pessoas. Este 19 de janeiro, pai, será lembrado como o dia em que o Rio mais lindo e fértil que conheci finalmente se encontrou com o Mar que ansiosamente o aguardava. E, desde então, Rio e Mar são um só… para sempre.

Esta entrada foi publicada em Sem categoria. Adicione o link permanente aos seus favoritos.

Deixe um comentário